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Por membros da Coalização Nacional de Mulheres

Nós, mulheres, somos mais da metade da população brasileira e correspondemos a aproximadamente 53% do eleitorado brasileiro apto ao voto. Diante desse cenário, é difícil compreender por que ainda estamos tão longe de alcançar a paridade de gênero nos espaços de poder.

Somos minoria no Judiciário, destacando-se a Justiça Militar Estadual que possui apenas 3,7% de mulheres nos quadros da magistratura. Possuímos uma participação muito pequena no Legislativo – na Câmara dos Deputados, por exemplo, somos 14,81% e, em que pese os avanços importantes que se vislumbra no governo federal, somos minoria também no âmbito do Executivo. Nos demais entes federativos, estados, Distrito Federal e municípios, a representação feminina é mais deficitária.

A Advocacia-Geral da União (AGU), por exemplo, ao criar um importante grupo de trabalho para que se elabore a regulamentação pertinente à Procuradoria Nacional da União da Defesa da Democracia, nomeou como representantes da academia 12 homens brancos em um primeiro momento.

É relevante falar ainda sobre os atravessamentos que consideram a multiplicidade de mulheres no Brasil. Nosso país é constituído de diversas existências femininas que continuam a ser desconsideradas do lugar de construção de políticas e decisões que não observam a participação de mulheres negras, indígenas, mulheres trans e travestis e, quando o fazem, observam a participação de apenas uma nesses espaços, o que gera uma construção equivocada de diversidade e não alcança equidade na participação política e de espaços de poder e tomada de decisão. Os homens que certamente contribuirão para a governança devem construir também uma política que contemple pensar soluções de cidadania plena para as mulheres. Não há nenhum resquício de dúvida em relação a esse ponto.

Contudo, mesmo que essa decisão da AGU tenha sido revista a tempo, nota-se como as mulheres são facilmente esquecidas após tanta luta para a redemocratização de nosso país. Na verdade, não faltam mulheres competentes. Tanto que a portaria foi revista e 18 mulheres com altíssima qualificação técnica foram nomeadas para compor o grupo de trabalho.

Nessa quadra, para além de festejar a escolha de mulheres que representarão de forma brilhante um mister tão significativo para a nação brasileira, é importante ressaltar a presença destas em todos os espaços.

Somos indispensáveis!

Nossas vivências e saberes nos proporcionam um olhar muito diferente do masculino. As experiências que vivenciamos compõem nossa forma de ver o mundo e de interpretar a sociedade.

Homens não passam, em geral, pelas discriminações e preconceitos de gênero e raça e intersecções de experiências de preterimento que as mulheres comumente enfrentam em seu cotidiano. Os obstáculos pessoais e profissionais são também diferentes. A construção social que determina a ocupação do espaço público ou privado quase nunca interfere na profissão do homem.

O conhecimento que as mulheres carregam é atravessado por saberes que os homens não alcançam, porque não se defrontam com os mesmos desafios. Essa compreensão de mundo, que é singular e própria do universo feminino, precisa ser contemplada nos momentos de tomada de decisão, na criação de leis e políticas públicas, em decisões judiciais e em todos os atos concretos ou simbólicos que afetem a sociedade, uma vez que as mulheres também são as destinatárias dessas ações e decisões.

Nossa presença deve ser lembrada não porque estamos pedindo, mas porque somos competentes e fazemos parte da sociedade. É importante lembrar que durante a pandemia da Covid-19 cidades administradas por mulheres alcançaram um número de óbitos até 43% menor em algumas cidades, por exemplo, do que aquelas capitaneadas por homens.

Temos a força necessária para ocupar os espaços de poder. Basta ver que o ex-presidente não conseguiu lidar com uma derrota legítima, sem equilíbrio emocional e político, abandonando o cargo após o resultado eleitoral. Enquanto a ex-presidenta Dilma Rousseff conseguiu lidar com um impeachment ilegítimo de forma altiva, suportando todos os tipos de ataques e difamações injustas, respondendo com serenidade e força.

Precisamos de mulheres nos espaços de poder para podermos nos espelhar, nos reconhecer como protagonistas nesses ambientes que, como vimos, ainda estão tomados pela figura masculina. Representatividade gera senso de pertencimento. No dizer de Epiteto, filósofo grego, “as sementes de grandiosidade que existem em nós precisam de exemplos para germinar”.

Com as incontáveis mulheres competentes aptas a agregar ao desenvolvimento do nosso país, perdemos muito como nação ao desprezar a expertise dessas profissionais talentosas e brilhantes.

A democracia só será efetivamente concretizada quando as mulheres, as pessoas negras, indígenas, as pessoas LGBTQIANP+, as pessoas com deficiência estiverem efetivamente representadas nos espaços de poder. Cada segmento da sociedade precisa ser contemplado para que, ao definir os rumos do nosso país, sejam consideradas essas características, observando e respeitando as sensíveis peculiaridades de cada grupo social para que possamos tornar a nossa nação mais acolhedora e menos violenta.

Como afirma Iris Young, filósofa americana, “é especialmente quando estão situadas em diferentes lados da relação de desigualdade estrutural que as pessoas entendem essas relações e suas consequências de modos diferentes”[1].

O caminho a ser percorrido, após quatro anos de retrocessos na luta das mulheres por direitos, há de ser marcado pela busca por respeito à paridade, equidade, diversidade e pluralidade, por escuta ativa, e pela inafastável certeza de que a nossa presença é imprescindível para o desenvolvimento da democracia no Brasil.

Membros da Coalização Nacional de Mulheres que assinam este artigo:

Adriana Cecilio – Advogada, professora de Direito Constitucional, mestra em Direito, consultora de Direito Constitucional da Comissão Observatório Eleitoral da OAB-SP, autora da obra “A separação dos Poderes e o sistema de freios e contrapesos”

Ana Maria Lorena Campos – Assistente social, turismóloga e professora de inglês. Coordenadora-geral do Movimento Projeto de Lei de Iniciativa Popular Mais Mulheres na Política

Ana Paula Araújo de Holanda – Advogada, professora, especialista em Direito Público pela UFSC, mestra em Direito e Desenvolvimento pela UNIFOR, doutora em Direito pela Universidad Rovira i Virgili

Andrine Nunes – Advogada, professora universitária, doutora e mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito e Processo Civil, em Direito e Processo Tributário, todos pela Universidade de Fortaleza

Bruna Versatti Negrão – Advogada, especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e mestranda em Direito Médico na UNISA

Elaine Noleto – Presidente da ABMCJ, comissão do Tocantins. Advogada especialista em Direito Médico, Direito Público e Penal, feminista, palestrante e escritora

Gláucia Maria Teodoro Reis – Advogada, professora, mestra em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás, doutoranda em Direito pela Universidade de Buenos Aires, conselheira da ABMCJ e membra da coordenação do Núcleo Goiás da ABJD

Luciana Almeida da Silva Teixeira – Advogada, mestranda em Ciência Política- UFPEL, especialista em Direito do Estado e Direito Civil, cofundadora do Movimento Independente 50-50 de Advogadas Gaúchas

Marcia Maria Vieira De Sá – Advogada, membra do Grupo Mulheres do Brasil Núcleo Fortaleza

Margareth Arbues – Pós-doutora em Direito e Vulnerabilidades (Unime -IT), professora associada da UFG, pesquisadora e professora do Programa de Pós graduação em Direitos Humanos da UFG

Neusa Elaine Couto Ledesma – Advogada, presidente da ABMCJ-RS, especialista em Direito Ambiental e em violência contra crianças e adolescentes, cofundadora do Movimento Independente 50-50 de Advogadas Gaúchas

Rebeca Groterhorst – Advogada e coordenadora de projetos no Instituto Pro Bono. Doutora e mestra em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professora de Direito Constitucional

Thayná Yared – Advogada, mestra em ciências humanas e sociais pela UFABC e sócia-fundadora da Gema Consultoria de Compliance em Equidade

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