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Roberto Gallo, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança

A defesa e a segurança de um país envolvem um sistema complexo composto não apenas por diversas instâncias de poder, como por uma parcela importante da economia do país. A manutenção dessa estrutura depende de um constante estado de prontidão. É preciso estar sempre atento aos desafios e forças que em equilíbrio fazem do Brasil uma nação soberana, independente estratégica, tecnológica e industrialmente de outros países.

Estamos, no entanto, em um momento de alerta que demanda uma atitude firme e imediata. Isso porque a Base Industrial de Defesa (BID) brasileira corre o risco de sofrer um desmonte.

A Boeing, gigante americana do ramo da aviação, está em franco processo de captura e contratação de profissionais de empresas que fazem parte desse importante grupo para o país, composto por mais de mil companhias. Por serem todas fundamentais e estratégicas para a defesa da autonomia do Estado, o que está em risco é a soberania nacional. Os impactos poderão se refletir também na economia. O setor tem o governo federal como seu principal cliente, mas exporta mais de US$ 1,7 bilhão ao ano. Além disso, é responsável por aproximadamente 285 mil empregos diretos e 850 mil indiretos e movimenta cerca de R$ 200 bilhões, o que representa cerca de 4% do Produto Interno Bruto Nacional (PIB). Para cada um real investido em Defesa pelo Estado brasileiro, mais de nove reais são gerados em riqueza em nossa economia.

Diante da gravidade do problema, a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde) e a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (Aiab) entraram com uma ação civil pública contra a Boeing. Nosso objetivo é interromper a ação que consideramos predatória e promover um debate de alto nível envolvendo Ministério da Defesa e Advocacia-Geral da União para encontrar uma solução que respeite a ordem econômica e a soberania nacional, previstas na Constituição Federal. Para isso, desejamos provocar uma discussão de alto nível que defenda a retenção de profissionais brasileiros altamente especializados em empresas a serviço do Brasil.

A situação preocupa muito porque a Boeing está capturando principalmente engenheiros de elite do setor aeroespacial, em quem não apenas as companhias que sofrem esse ataque, mas o governo brasileiro depositaram anos de investimento em formação em instituições públicas (ITA, UFMG e Ufscar). É dinheiro do contribuinte que está sendo aproveitado por uma empresa para gerar riqueza nos EUA. Além disso, corremos o risco de que os empregos indiretos, que dependem da saúde do setor, sejam deslocados para o mercado internacional, deixando centenas de trabalhadores brasileiros à míngua.

Há ainda outro ponto sensível. Os profissionais contratados participavam de projetos nas áreas de defesa e segurança ou detinham conhecimento essencial à soberania nacional e, justamente por isso, tiveram acesso a informações qualificadas e dados classificados de projetos estratégicos para o país. Ou seja, são segredos de Estado que estão em jogo. O efeito é expressivo: diversas das principais empresas do setor de defesa aeroespacial, conforme destaca a Ação Civil Pública, já perderam e vêm perdendo engenheiros para a Boeing. Algumas já estão sem 70% da equipe de áreas essenciais para o negócio. Entre elas, destacam-se Embraer, Akaer, Avibras, AEL Sistemas, Safran, Mac Jee.

O caso da Embraer merece atenção especial. Por dois anos (2018 a 2020), a empresa negociou com a Boeing uma parceria para criação de uma joint venture. Nesse período, a norte-americana teve acesso a informações proprietárias da Embraer. Dias antes de selar definitivamente o acordo, que previa o pagamento de US$ 4,2 bilhões à Embraer, a Boeing rescindiu de maneira unilateral. O cenário ganha um caráter ainda mais crítico se levarmos em consideração que a Embraer nada mais é do que a maior empresa estratégica de defesa do Brasil.

Estamos, portanto, em um momento crucial para que uma atitude firme e decisiva seja tomada. Os danos já podem ser notados, mas ainda podem ser revertidos se agirmos rápido e com a atenção que a situação merece.

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