Por: Adão Villaverde
Imaginemos uma aldeia em torno de uma fogueira agradecendo, com danças e cantos, àqueles, entre os seus, que produziram as rudimentares noções de um rudimentar conhecimento, a primitiva ciência e tecnologia, que estava na base de toscos instrumentos de agricultura e caça.
Foram esses fogos que iluminaram a travessia do gênero humano da barbárie para a civilização. E a reafirmação do nosso compromisso com o conhecimento é celebrada com o processo civilizatório e a dimensão ética da história humana.
Até aí, talvez tenhamos acordo, mas, quando agregamos a perspectiva crítica do conhecimento, parece que aquele aspecto de rebeldia e de inconformismo do saber diante de uma realidade que se pretende indiscutível, portadora da última e da penúltima palavra, incomoda muitos.
Pois questionar uma realidade, emudecida de formulações teóricas e esvaziada de conceitos, que diz saber tudo sobre tudo, e, o que é infinitamente mais perverso, sobre todos, perturba mais ainda.
De fato, nossos tempos já não admitem essa capacidade crítica, preferindo conformar- se diante do estabelecido; é o espírito que marca essa era regressiva e obscura. A opção é a simplificação da proclamação do fim das utopias, afigurando-se, portanto, como um epitáfio redigido sobre a lápide da capacidade crítica do saber.
Enquanto isso, a dita modernidade vai configurando-se como uma nova barbárie, revelando seres humanos identificados com a inocência selvagem de que os fins justificam os meios e que estamos num mundo do vale-tudo. Abrigados na difusa, pretensiosa e não menos mitológica autoridade do neoliberalismo. Que endeusa o reino acrítico das mercadorias sem admitir a capacidade crítica do conceito, fundamental legado iluminista que produziu e reproduziu também as utopias, que certamente implicam o processo da razão e do humanismo.
Esses podem sempre deixar sequelas de lucidez, como uma cicatriz aberta no dorso fosforescente e conformista de um mundo onde sonhos e utopias se confundem com medíocres desejos de consumo.
E, assim, brutaliza-se a vida cotidiana, tornando-se cega, seja diante de um crepuscular anoitecer sobre o Guaíba, seja diante da original delicadeza da paisagem outonal dos vinhedos gaúchos.