Artigo: Industrializando Ventos – por Jean-Paul Prates

Industrializando Ventos

O setor eólico nacional já pode celebrar a inclusão do Brasil no rol dos “Top 10” em investimentos em energia renovável. A nova posição do País aparece no relatório “Who’s winning the clean energy race?” (Quem está ganhando a corrida da energia limpa?), produzido pela Pew Charitable Trusts, organização dedicada a estudos e análises ligadas a políticas públicas.

A responsabilidade é grande. Graças ao seu inédito sistema de leilões reversos (onde o menor preço ganha), o Brasil agora é onde se pratica o preço de energia eólica mais competitivo do mundo. Cerca de U$60/MWh, algo inimaginável até três anos atrás. Países pioneiros neste tipo de geração renovável como a Dinamarca, o Canadá, a Alemanha, os EUA e a Espanha ainda rondam os U$120 a U$160/MWh. Por isso, todos os olhos desta indústria no mundo estão hoje voltados para o Brasil.

Tirando regiões inóspitas como a Antártida, os Andes, a Abissínia, a Patagônia e o Himalaia, o Nordeste Setentrional brasileiro situa-se ao lado das melhores áreas do centro-norte da America do Norte, Europa Setentrional e interior da China quanto ao potencial eólico próximo a áreas de consumo energético. As maiores velocidades medias anuais de vento são encontradas nos litorais do RN e do CE, onde a combinação das brisas marinhas diurnas com os ventos alísios de leste-sudeste resulta em ventos médios anuais entre 6m/s e 9m/s.

Além disso, como a velocidade dos nossos ventos costuma ser maior em períodos de estiagem, é possível operar usinas eólicas em regime complementar ao das usinas hidrelétricas nacionais, de forma a preservar a água dos reservatórios em períodos de poucas chuvas. Esta operação permite ao País, portanto, “estocar energia” e regularizar a oferta nacional.

Mas, ter o vento não é tudo. Inúmeras outras variáveis se alinham para conformar a chamada “indústria eólica”. Investimento, tecnologia, mercado, preço e mão-de-obra são os componentes essenciais de um setor industrial integral.

O setor eólico por longo tempo buscou tecnologia adequada e viável. Empreendedores mundiais investiram, arriscaram e venceram preconceitos e “impossibilidades”. Mas, no Brasil, ainda são poucas as indústrias que efetivamente fabricam as partes nobres dos aerogeradores e demais equipamentos. Entidades setoriais como a ABEEÓLICA souberam reunir empreendedores e fornecedores de forma harmônica, e lutar por um lugar ao vento que só tende a aumentar. O desafio agora, diante da crise internacional, será manter aquecidas as fontes de financiamento, no Brasil e fora dele.

O mercado para a energia eólica precisava ser fomentado. E foi: inicialmente pelos incentivos do PROINFA (2002-2008) e finalmente pela inclusão desta fonte nos leilões federais de compra de energia (a partir de 2009). Além deles, o ambiente de contratação livre também permitiu que compradores e geradores pudessem contratar diretamente. A definição das metas de participação eólica na matriz brasileira (mediante análise técnica de sua efetiva sazonalidade, efeitos na rede de transmissão e localização geográfica) caberá ao Governo Federal, com subsídios técnicos repassados pelo setor. Mas ao menos sabe-se hoje que os ventos já não são mais uma fonte tão longínqua e cara. E há quem queira consumir energia limpa e confiável, pronto a pagar por ela no mercado livre também. Dentro da variável mercado inclui-se também o capítulo das linhas de transmissão, que são as vias de escoamento da energia até o consumidor. O estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, que foi historicamente importador de energia na ponta do sistema, encara hoje a perspectiva inversa de se tornar um provedor regional de energia. Estimamos que, em 2014, o RN venha a exportar pelo menos dois terços da energia produzida em seu território.

Preço é a unidade-resumo da viabilidade econômica e comercial. No caso das eólicas no Brasil, o princípio da modicidade tarifária imposto por Dilma Rousseff, à época à frente do Ministério de Minas e Energia, levou aos leilões federais reversos concebidos pela Empresa de Projetos Energéticos (EPE). Testando os limites a cada ano, Mauricio Tolmasquim e sua equipe promoveram primeiro o leilão exclusivo para eólicas em 2009, depois mesclaram fontes renováveis em 2010, e finalmente, este ano, promoveram o “vale-tudo” entre hídrica, eólica, biomassa e gás natural. Surpreendentemente, o preço de algumas usinas eólicas ficou abaixo do preço da energia da hidrelétrica de Jirau (RO) e de todas as térmicas a gás participantes. Ousadia ou temeridade? Do governo ou dos empreendedores?

Diz-se que cada MW eólico instalado gera 10 empregos diretos e 15 indiretos na fase de construção, e pereniza cerca de 5 empregos na fase de operação. Há um significativo impacto positivo na área social e econômica das regiões anfitriãs, mas também o desafio, parecido com o do petróleo, do “day-after”. Questões como qualificação, especialização, segurança e rotatividade laboral requerem planejamento empresarial e apoio governamental.

Questões regulatórias e operacionais se somam a estes fatores maiores, tais como a situação ainda precária da documentação fundiária de algumas regiões, que provoca insegurança quanto ao arrendamento de terras. O licenciamento ambiental e o pré-zoneamento de áreas para novos projetos também merecerá extrema atenção, pois com a proliferação de parques e o crescimento deste mercado, haverá potencial cada vez maior de conflitos, superposições e mesmo infringência direta de áreas de preservação.

Finalmente, na fase crítica da construção de todos estes novos parques eólicos (2009-2014), será essencial um trabalho integrado entre empreendedores, fornecedores e governos para minimizar os impactos e traumas inevitavelmente causados pelas obras. Isso implica no planejamento de infra-estrutura de acesso, gestão logística adequada, e bom relacionamento com as comunidades.

Trabalhando estes fatores integrada e efetivamente temos a certeza que estaremos construindo, de fato, a indústria dos ventos.

Jean-Paul Prates é diretor-geral do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne) e um dos palestrantes da XVI Conferência Nacional da Unale, que será em Natal (RN), de 29 de maio a 1º de junho. Clique aqui e confira a programação.

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