Rotina não é algo que muita gente procure, mas às vezes ela pode ser bem vinda. Em uma disputa na Justiça, por exemplo, o ideal é que as regras estejam muito claras e que as pessoas saibam, desde o começo, de todos os passos necessários até que a pendência seja resolvida. Nesses casos, ter sempre mais do mesmo pode ser justamente o que se quer.
Seguindo essa lógica, a partir da aprovação do projeto de lei de autoria do deputado licenciado Rodrigo Novaes, em julho, Pernambuco se tornou o primeiro Estado brasileiro a ter um Código de Procedimentos em Matéria Processual. A norma uniformiza as práticas cotidianas nas repartições judiciais e torna mais simples e seguras as etapas até o desfecho da causa. A intenção é deixar os caminhos do processo mais previsíveis, aliviar a rotina burocrática e trazer ganhos de eficiência na prestação do serviço aos cidadãos.
“Se em cada órgão da Justiça o advogado encontrar um conjunto de procedimentos diferente, ele fica perdido, sem saber como agir, o que dificulta a realização do trabalho com a celeridade devida”, explica o professor de direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Leonardo Carneiro da Cunha. “Acontece muito de cada juiz ter uma rotina procedimental diferente. O código pretende padronizar essas atividades, para facilitar o acesso à Justiça, dar mais segurança e simplificar as movimentações.”
A nova lei estadual serve de complemento aos códigos de Processo Civil e de Processo Penal, que são normas federais. Em comparação com essas leis, o texto pernambucano se ocupa mais detalhadamente de pormenores relacionados ao cotidiano dos processos. “O Código de Procedimentos é mais ligado à prática das varas, do dia a dia mesmo, de como o documento é juntado e os atos, comunicados aos interessados”, continua Leonardo da Cunha. “É mais minucioso e trabalha os ritos, mas sempre no sentido de eliminar a burocracia.”
O professor coordenou, na Assembleia Legislativa, a comissão técnica responsável por elaborar o anteprojeto da lei, em 2013. Depois de concluído, o texto tramitou nas comissões temáticas da Alepe e foi votado no Plenário em 2018.
Rodrigo Novaes lembra que, no período entre a construção do anteprojeto e a última votação, um novo Código de Processo Civil foi aprovado no Congresso Nacional, o que deixou alguns pontos da norma pernambucana em desacordo com as regras atualizadas que regem as ações na Justiça. Além disso, os processos em Pernambuco passaram a tramitar, em sua maioria, pelo meio eletrônico, o que não era realidade ao tempo da concepção do Código de Procedimentos.
“Já estamos conversando com os componentes da Comissão de Justiça para elaborar uma proposta”, informa o parlamentar, sublinhando que as eventuais incompatibilidades são pontuais, e que não comprometem o ganho de eficiência pretendido com a nova lei. “Vamos retificar algumas situações e modernizar o texto para que a nossa lei fique em sintonia com o Código de Processo Civil mais recente. Isso representa avanços para os cidadãos e para a magistratura.”
Benefícios – Uma das regras lembradas pelo deputado e que representam melhorias para os cidadãos são aquelas que evitam deslocamentos desnecessários a quem procura o Judiciário. A partir da edição do código estadual, alguém de Petrolina (Sertão do São Francisco) que precise apresentar documentos a uma vara do Recife, pode fazê-lo no fórum da própria cidade.
Outra norma citada que deve resultar em ganhos é a que permite que os textos das decisões proferidas pelos juízes, em alguns casos, serão os mesmos das comunicações encaminhadas aos interessados – o que evita o trabalho de redigir um novo documento apenas para informar as partes sobre a decisão e libera os servidores administrativos para outras atividades. O Tribunal de Justiça de Pernambuco e a seccional pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil foram procurados para comentar as mudanças mas não responderam os pedidos de entrevista.
Leonardo da Cunha sublinha que os avanços pretendidos pelo novo código foram construídos por meio de amplas discussões na Alepe, em que representantes de diferentes classes foram ouvidos, e que por isso o texto aprovado tem condições de aperfeiçoar significativamente a rotina forense. “O código é fruto de um grande debate, em um ambiente democrático, saudável e legítimo”, pontua o professor.
Ele pondera que o tempo necessário para que o Poder Legislativo examine as proposições acaba concorrendo com mudanças tecnológicas e da sociedade. “A dificuldade de manter a legislação sempre atualizada existe em qualquer lugar do mundo”, observa. “As coisas têm mudado com velocidade, e acaba se tornando necessário rever dispositivos.”