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stela_farias_artigoStela Farias é deputada estadual pelo PT/RS

O jornalista e escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, falecido em 2014, escreveu, há 30 anos, um livro cujo título é perfeito para definir os rumos que o atual Governo do Estado imprimiu à gestão pública do Rio Grande do Sul, desde que assumiu.

Crônica de uma morte anunciada – título do livro – é a história de um crime premeditado, contado em retrospecto, sem deixar claro, no entanto, se a vítima realmente tinha consciência de seu destino.

Enredo similar vive a sociedade gaúcha, o preâmbulo apareceu ainda nas eleições, com um candidato vencendo sem revelar projeto político, escudado por frases de efeito e máximas cuidadosamente implantadas pelo marqueteiro da campanha.

Vencido o pleito, a estratégia para estabelecer as condições de implantação desse projeto político velado, foi mais refinada. Uma nuvem de silêncio baixou sobre o Palácio Piratini. Apenas um decreto de suspensão do pagamento de fornecedores, cortes de recursos em áreas essenciais, principalmente Saúde e Segurança. Era o primeiro passo para criar as condições políticas e materiais para um devir pouco ou nada animador.

A retórica do caos sustentada pela paralisia programada dos serviços públicos, com corte de horas extras, fim das nomeações de concursados, corte de recursos públicos e contrapartidas para projetos federais, imobilização de obras e ameaça constante de atraso de salários, combinada com a transferência de responsabilidade para a gestão anterior, durante seis meses, criou substância suficiente para amedrontar a opinião pública sobre a situação das instituições públicas no RS.

Coincide que a agenda do caos na administração pública guarda ressonância com os interesses de parte da iniciativa privada em abocanhar patrimônio do Estado e mercado para exploração de serviços exclusivos do setor público. Como se sabe, o empresariado liberal é extremamente crítico ao serviço estatal, reclama do excesso de burocracia, mas gosta de exigir financiamento público em condições módicas, de preferência com isenção de impostos.

No início do ano, em fevereiro, deputados de Oposição alertavam, da Tribuna da Assembleia Legislativa, sobre a imobilidade como estratégia política. Nos 100 dias de Governo, nenhum Projeto de Lei havia sido enviado ao Parlamento para apreciação. Até mesmo recursos aportados pelo governo anterior, disponíveis para uso, foram paralisados.

Uma das últimas peças dessa imbricada estratégia política para imprimir na opinião pública a necessidade de medidas drásticas para salvar o Estado, foi a utilização da Lei de Transparência com a intenção de divulgar os salários do conjunto dos servidores públicos do Estado, incluindo além do Executivo, estatais, fundações e autarquias, além do Judiciário e o Legislativo.

A Lei da Transparência é uma conquista da sociedade e o Brasil nos últimos anos, é um dos países, cujo setor público agregou o maior número de ferramentas para dar visibilidade aos atos da gestão pública. No RS, o governo as aplica de maneira seletiva, conforme sua agenda política. Os pedidos de informação oficiais de parlamentares – amparados por Lei – não são respondidos. Aguardo desde abril, por exemplo, o número de efetivo da Brigada Militar atuando nas Patrulhas Maria da Penha.

A manobra com a Transparência desencadeou uma comoção generalizada na sociedade gaúcha, levada a crer que a responsabilidade pela crise financeira do Estado é a folha de pagamento e consequentemente, os servidores públicos, constituem-se numa massa de parasitas. Sucederam-se artigos em jornais defendendo o Estado mínimo, a privatização dos serviços e todo o corolário neoliberal, que no final dos anos 90 quebrou o Brasil e vários outros países da América Latina.

Finalmente, o projeto político da direita gaúcha para o Estado do RS, capitaneada pelo PMDB, junto ao PP, PSDB e PPS, pode ser anunciado, agora sim, com apoio da opinião pública, conduzida qual rebanho, a acreditar que somente um Estado entregue à exploração da iniciativa privada, poderá salvá-los.

O secretário da Fazenda agora já pode vir a público muito à vontade, afirmar a necessidade premente de cortar investimentos, privatizar empresas públicas e a previdência estadual, para deixar o “o Estado mais leve, com maiores condições de responder mais rapidamente aos reclames” e finalmente revelar aquilo que já havíamos anunciado como destino da máquina pública nas mãos da velha política do PMDB: “o governo não é errático. Ele tem planejamento”. Tem mesmo, e ele se cumpriu tal qual a crônica de uma morte anunciada.

Resta saber como vai reagir a opinião pública, quando se der conta, tarde demais, do estelionato eleitoral promovido por um governo que escondeu seu projeto político para vencer a eleição e conduzir a redução do Estado com a venda de instituições ligadas a própria história do Rio Grande do Sul.

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