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Crédito: Unsplash
Por: RAFAEL VIANA DE FIGUEIREDO COSTA, Mestrando em direito da regulação pela FGV Direito Rio. Pós-graduado em direito dos mercados financeiro e de capitais pelo Insper. Advogado do escritório Velloza Advogados

Na último dia 26 de abril, o Senado Federal finalmente votou e aprovou o PL 3825/2019, que objetiva regulamentar o mercado de criptoativos no Brasil, estabelecendo diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais, definindo, ademais, o crime de fraude em prestação de serviços de ativos virtuais.

Pelo texto aprovado, a nova lei também passa a equiparar as prestadoras de serviços de ativos virtuais a instituições financeiras para efeitos da Lei 7.492/1986, bem como inclui as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol de instituições a observarem as regras da Lei 9.613/1998, fazendo incidir as regras know your clientstandards de PLD/FT e reportes ao Coaf dentre as obrigações de tais participantes do mercado.

A iniciativa do Senado é meritória e chega em boa hora. A exposição de pessoas naturais e de investidores institucionais aos ativos virtuais se encontra em crescimento nos últimos anos, tanto a nível nacional, quanto a nível internacional. É cada vez maior a interconexão entre os tradicionais mercados financeiro e de capitais e o mercado de ativos virtuais, o que certamente eleva o risco de efeitos sistêmicos em caso de eventos disruptivos, fraudes e falhas de mercado, e, por conseguinte, a necessidade de uma regulação mais significativa aumenta.

Apenas para ilustrar este ponto, vale destacar que hoje são mais de 230 mil investidores em ETFs-cripto no Brasil[1]. Adicionalmente, os fundos investidos em ativos virtuais possuem um patrimônio de cerca de R$ 4,8 bilhões[2]. As pesquisas não são exatas no que se refere à quantidade total de brasileiros que investem em ativos virtuais, mas estima-se que milhões de brasileiros já o façam, direta ou indiretamente[3].

Neste contexto, boa parte do mercado é favorável à regulação, desde que as regras sejam inteligentes, flexíveis e não sufoquem a inovação. Importante ressaltar que as empresas que atuam no mercado de custódia, intermediação e corretagem de ativos virtuais já possuem, inclusive, uma autorregulação própria[4].

Setor regulado inovador e a importância de uma regulação flexível

O PL 3825/2019 tem a virtude de não tentar regular exaustivamente o tema, deixando o detalhamento das regras do setor para o futuro regulador, que será mais especializado e terá maior flexibilidade para editar regras que possam acompanhar as constantes inovações neste ambiente.

Não raras vezes, a literatura costuma indicar que a flexibilidade é uma boa característica para regulações que lidam com setores inovadores, haja vista os problemas de assimetria informacional entre o setor regulado (inovador) e o regulador[5]. Será necessário algum tempo para que o regulador colete informações sobre o novo mercado regulado, de modo que a sua normatização possa ser mais profunda e efetiva.

Nessa linha, por exemplo, o projeto define os “ativos virtuais” como uma “representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”, mas, ao mesmo tempo, determina que competirá ao órgão ou entidade da Administração Pública federal estabelecer quais serão os ativos financeiros regulados, para fins da nova lei. O projeto também delega ao futuro regulador a autorização para a prestação de outros serviços que estejam relacionados, direta ou indiretamente, à atividade da prestadora de serviços virtuais.

Efeitos da nova lei na regulação da CVM para fundos de investimento

Há de se destacar, no entanto, que o Projeto de Lei – se aprovado e sancionado na forma atual pelo presidente da República – constituirá apenas o começo da regulação do setor. A entidade reguladora a ser definida por ato do Poder Executivo deve licenciar e supervisionar os prestadores de serviço deste mercado com zelo, garantindo o cumprimento dos objetivos fixados na lei, tais como a proteção dos consumidores e usuários.

Em acréscimo, a nova lei pode representar um importante primeiro passo para que a CVM estabeleça uma normatização mais formal e específica para reger a relação entre o mercado de investimentos e os ativos virtuais, passando a permitir expressamente, por exemplo, que fundos de investimento invistam diretamente em ativos virtuais, desde que cumpridos os requisitos da nova lei e/ou outros eventualmente criados pela CVM.

Hoje, a CVM tem permitido a estruturação e o oferecimento de produtos como ETFs lastreados em índices de criptoativos e fundos de investimento que investem indiretamente em derivativos lastreados em ativos virtuais no exterior, mas ainda não regula a matéria de forma direta e expressa em nenhuma Resolução. Não está prevista, por exemplo, a possibilidade do investimento direto por fundos de investimento registrados na CVM em ativos virtuais negociados em exchange brasileira e/ou custodiados localmente.

Entretanto, a partir do momento em que as exchanges e os custodiantes de ativos virtuais passarem a ser regulados por entidade reguladora competente[6], parece intuitivo pensar que deveriam ser capazes de prestar seus serviços para um fundo de investimentos local regulado pela CVM. Para tanto, será necessário também refletir se o conceito de “ativo financeiro” atualmente previsto na respectiva regulamentação da CVM para fundos de investimento deveria passar a abarcar os “ativos virtuais”, como já ocorre em algumas jurisdições[7]. Afinal, a função de investimento é uma das principais dos “ativos virtuais” e costuma ser mencionada em documentos e estudos preparados por reguladores e organizações internacionais que se debruçam sobre o assunto[8].

São cenas para os próximos capítulos que estão por vir e será importante que a CVM comece a discussão sobre uma eventual atualização de suas regras o quanto antes, tendo em vista a crescente relevância e interconexão deste novo mercado com os tradicionais mercados financeiro e de capitais.

*Texto publicado originalmente no: https://www.jota.info/opiniao-e-analise

 

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