Fernando Taquari e Guilherme Serodio

São Paulo e Rio – As eleições municipais acontecem daqui a dois anos, mas uma parcela significativa de prefeitos do país aproveita a reta final da campanha neste ano para percorrer as ruas de suas cidades e pedir votos aos candidatos às Assembleias Legislativas e à Câmara dos Deputados. Esse apoio perpassa questões partidárias e chega a ser determinante para alguns postulantes. Uma vez eleitos, os deputados federais e estaduais tornam-se peça importante na sobrevivência política de prefeitos na medida em que viabilizam recursos p/suas bases eleitorais por meio/emendas e projetos de lei.

“Depois de eleitos, esses parlamentares operam como despachantes municipais. Assumem o compromisso de prover recursos para seus municípios em um processo de ‘distritalização’ da representação federativa”, diz Ricardo de Oliveira, cientista político e professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Essa atuação, inclusive, rende projeção aos deputados que vislumbram a possibilidade de concorrer depois às eleições municipais, principalmente quando os atuais prefeitos estão no fim do segundo mandato.

“Em muitos casos, os parlamentares disputam em outra oportunidade as prefeituras com o apoio dos prefeitos que os apoiaram na disputa por uma vaga na Câmara. Nessa troca de favores, esses prefeitos se tornam candidatos naturais a deputado com o respaldo dos seus sucessores”, afirma o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice, empresa de análise de conjuntura e estratégia de relações governamentais. Em 2012, 87 deputados federais tentaram se eleger prefeito. No fim, 25 foram eleitos, um crescimento de 9,4% em relação a 2008.

No comando de Salvador (BA) há quase dois anos, Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM) foi considerado no início de 2014 como o gestor mais bem avaliado entre as capitais do país, segundo pesquisa Vox Populi. O levantamento mostrou que 51% da população soteropolitana avaliava a administração como ótima. Nesta campanha, ACM Neto tem sido um importante cabo eleitoral/19 candidatos baianos do DEM à Câmara, especialmente entre os 8 postulantes com base eleitoral/Salvador. O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar estima que o partido elegerá até 4 deputados pelo Estado, um a mais do que na atual bancada.

Segundo Oliveira, as capitais são menos sujeitas à influência de prefeitos na eleição p/Câmara. Esse processo, explica o cientista político, ocorre de forma mais disseminada nas pequenas e médias cidades, cujo o eleitorado está mais próximo do raio de ação de caciques locais por conta de questões históricas, sociais e econômicas. “As grandes cidades não fogem à regra, mas nesses casos o voto também costuma ter um perfil ideológico considerável”, ressalta.

Com 629 mil habitantes, a cidade Sorocaba é a quarta mais populosa do interior paulista, atrás de Campinas, São José dos Campos e Ribeirão Preto. Nesta campanha, o prefeito Antonio Carlos Pannunzio (PSDB) emprega o prestígio conquistado na eleição de 2012 – quando teve 162 mil votos no segundo turno – na candidatura a deputado federal de Vítor Lippi (PSDB), seu antecessor no comando do município. Trata-se de um apoio de peso. Pannunzio já foi prefeito de Sorocaba entre 1989 e 1992 e antes de voltar ao cargo há dois anos, foi deputado federal por quatro mandatos consecutivos.

Nos últimos dois anos como parlamentar (2009-2010), o tucano apresentou emendas ao município, governado até então por Lippi, no valor de R$ 4,9 milhões, conforme dados disponíveis no site da Câmara dos Deputados. A maior parte dos recursos tinha como destino a “estruturação” de unidades de saúde. Desse total, foram empenhados cerca de R$ 1,9 milhão.

“Essa ajuda não é desprezível, embora seja pequena diante do orçamento geral. Agora, o prefeito não faz milagre na eleição. O candidato precisa ter prestígio próprio”, afirma Pannunzio. Em 2008, Lippi foi reeleito prefeito com 242 mil votos ou 79,35% dos votos válidos, a maior votação da história do município. Nas últimas semanas, Pannunzio tem feito um trabalho de base ao participar de comícios e caminhadas, além de organizar encontros com lideranças locais.

Já o prefeito de São José dos Campos (SP), Carlos Almeida (PT), está empenhado na candidatura a deputada federal da mulher, a presidente da Câmara Municipal, Amélia Naomi (PT). Em 2012, o petista se licenciou da Câmara, onde tinha sido eleito pela primeira vez em 2010, para disputar a eleição municipal. Com a vitória, rompeu com a hegemonia do PSDB na cidade, que já durava quatro mandatos.

Durante o período como parlamentar, apresentou R$ 3,1 milhões em emendas para o município, dos quais R$ 2 milhões foram empenhados para áreas como saúde, esporte educacional e recreativo e lazer. Noronha lembra que as emendas também são capitalizadas politicamente pelo autor, mesmo que possam beneficiar a gestão de um prefeito de outro partido. “Num comício um cabo eleitoral pode dizer que aquele verba chegou na cidade graças ao esforço de um determinado deputado”, diz o cientista político da Arko.

A candidatura de Amélia é vista nos bastidores da prefeitura de São José dos Campos como um plebiscito sobre a atual administração. Um integrante da oposição disse que Almeida teria atuado pessoalmente para evitar a candidatura de outros nomes da base aliada, para que não ocorresse uma divisão dos votos. A campanha da vereadora tem procurado ainda se associar ao prefeito em placas e cartazes. Procurado pela reportagem, o prefeito não retornou aos contatos.

A Prefeitura de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, deve ter novamente neste ano um papel importante na candidatura à reeleição de Janete Pietá (PT) na Câmara dos Deputados. Sua primeira eleição, em 2006, ocorreu durante o segundo mandato do marido, Elói Pietá (PT), à frente da cidade. Quando foi reeleita, em 2010, o município já estava sob o comando de Sebastião Almeida, outro petista. Em 2013 e 2014 ela apresentou R$ 6,1 milhões em emendas a Guarulhos, sendo que R$ 3,2 milhões foram empenhados para saúde, cultura, turismo, esporte e desenvolvimento urbano.

No Rio de Janeiro, o apoio da prefeita de Campos dos Goytacazes (RJ), Rosinha Garotinha (PR), deve ser decisivo para a candidatura a deputada federal de sua filha, Clarissa Garotinho (PR), a exemplo do que ocorreu em 2010, quando foi eleita deputada estadual em primeiro mandato, com 118 mil votos, a quinta votação mais expressiva para a Assembleia Legislativa. Clarissa deve ter sua votação reforçada neste ano pela candidatura de seu pai ao governo estadual – Anthony Garotinho (PR) tenta voltar ao Palácio Laranjeiras e está tecnicamente empatado em primeiro lugar com o atual governador, Luiz Fernando Pezão (PMDB). Há quatro anos, Garotinho foi o deputado federal mais votado do Estado, com 694.862 votos.

As candidaturas de Amélia, Janete e Clarissa ainda mostram a influência das famílias nas eleições proporcionais, como atesta o cientista político da UFPR. Oliveira fez um levantamento em que observa que mais da metade da Câmara e dois terços do Senado foram eleitos em 2010 em grande medida pelo apoio de parentes políticos. “São os parlamentares hereditários que formam uma espécie de oligarquia federal na defesa dos seus interesses”, afirma.

Publicado no Valor Econômico em 26/09/14

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