Search
Close this search box.

kalache1Alexandre Kalache é Co-Presidente do International Longevity Centre (ILC) Global Alliance e Presidente do ILC-Brasil

É recente no Brasil a percepção do impacto do rápido envelhecimento para o Estado, os cidadãos, as empresas e para a Sociedade como um todo. De acordo com o IBGE, o Brasil tem hoje em torno de 12,5% de pessoas com mais de 60 anos, até 2050 chegaremos a 30%, e, daqui a 50 anos, cerca de 35% – um percentual que nem mesmo o Japão, o país mais envelhecido do mundo, já atingiu.

Isso decorre por duas razões: o brasileiro está vivendo muito mais do que até um passado recente e as taxas de fecundidade tiveram acentuada queda nos últimos anos. A expectativa de vida hoje está em torno de 76 anos, 30 anos a mais do que na metade do século passado. O número médio de filhos nos anos 60 era próximo a seis, hoje não passa de 1,7 – abaixo do limiar de reposição já que se um casal não tem pelo menos dois filhos, não se “reporá”. Conclusão, cada vez menos jovens e cada vez mais idosos. Vale acrescentar que estamos falando de 30 anos mais de vida e não de “velhice” – as implicações se fazem sentir ao longo de todo o curso de vida. Esses anos a mais, são tempo adicional de vida e não meramente de velhice. A vida vai deixando de ser uma corrida de cem metros para se tornar uma maratona – e para chegar bem ao final de uma maratona é preciso estratégias, preparação, investimentos.

O contexto deste rápido envelhecimento é bem distinto daquele em que países desenvolvidos envelheceram no passado. Neles o envelhecimento foi mais lento, em sociedades relativamente mais prósperas. A França, por exemplo, dobrou sua proporção de idosos, de 7 para 14% ao longo de 145 anos. O Brasil dobrará sua proporção dos atuais 12,5% nos próximos 19 anos. Hoje temos a metade da proporção de idosos que o Canadá – em 2050 teremos a mesma, em torno de 30%. O desafio é grande: países desenvolvidos primeiro enriqueceram para depois envelhecerem – nós estamos envelhecendo em um contexto de pobreza para grande parte da população, a competição por recursos (sobretudo face à gigantesca crise econômica que nos assola) sendo imensa: ensino de qualidade, acesso a serviços de saúde e social, saneamento básico, infraestrutura….todos problemas já grandemente solucionados quando os países mais ricos começaram a envelhecer.

Uma população envelhecida significa por um lado menos adultos mais jovens para manter a produtividade e por outro lado mais pessoas envelhecidas com problemas de saúde necessitando de cuidados. É prioritário, portanto, investir em políticas que ajudem os indivíduos a envelhecer bem: com saúde (diminuindo a necessidade de cuidados de idosos dependentes) e com habilidades, conhecimento. Com saúde e conhecimentos podemos envelhecer ativamente, plenamente contribuindo e usufruindo da sociedade em que vivemos.

Estas são duas das premissas básicas do marco político do Envelhecimento Ativo proposto pela Organização Mundial da Saúde em 2002 e revisado pelo Centro Internacional da Longevidade Brasil em 2015 . Neles o Envelhecimento Ativo é definido como “o processo de otimizar as oportunidades para i) Saúde; ii) Aprendizagem ao longo de toda a vida; iii) Participação e; iv) Proteção/Segurança, de modo a promovermos qualidade de vida a medida em que envelhecemos”. Saúde e conhecimentos, já foi dito, são básicos para um envelhecimento com qualidade de vida. Mas é preciso também assegurarmos o direito de participar da sociedade em todos seus aspectos – combatendo a discriminação baseada em idade e assegurando aos indivíduos as condições essenciais para que se sintam protegidos, que não vivam sob a ameaça de chegarem à velhice vulneráveis, desamparados. Fica claro que o Envelhecimento Ativo incorpora, em sua essência, uma perspectiva de curso de vida. Quanto mais cedo nos preparamos para o envelhecimento, melhores as oportunidades de um bom envelhecer – o jovem de hoje é o idoso de amanhã. Em sua essência o Envelhecimento Ativo abraça a harmonia intergeracional – estamos todos no mesmo barco.

Contamos, no Brasil, com um Estatuto dos Idosos desde 2003 . Embora seja um documento legal visionário e pioneiro, ele está longe de estar plenamente posto em prática. É essencial que os legisladores dele se familiarizem e desenvolvam políticas que o reflitam em políticas e intervenções apropriadas. É preciso também empoderar e assegurar o protagonismo dos próprios idosos, facilitar sua inserção no processo de desenvolvimento, implementação e avaliação de políticas públicas. Para tanto foram criados os Conselhos dos Idosos – infelizmente, a meu ver, freqüentemente manipulados por interesses políticos menores. Creio que isso se deve em grande parte à alternância de suas gestões, a cada dois anos sob a tutela do poder público, os próximos dois da sociedade civil levando ao risco de que progressos de ontem sejam “neutralizados” ou revertidos na gestão seguinte.

Como um exemplo da operacionalização do conceito do Envelhecimento Ativo cito o Movimento Global das Cidades Amigas dos Idosos (CAI) concebido e lançado pela OMS em 2007 com base em dados provenientes de estudos qualitativos em 35 cidades de todos os continentes em 2007 . Hoje são mais de mil as cidades, grandes, médias e pequenas que se incorporaram ao CAI. Seguem um protocolo comum que foca as principais dimensões de nossas vidas, onde as vivemos – como transporte, acesso a serviços sociais e de saúde, a educação continuada, ao trabalho, às condições do espaço público, às oportunidades de participação cívica, social, acesso a informação, moradia digna. Os estudos qualitativos permitem “ouvir” a voz dos idosos – o que querem, o que priorizam, que recomendações têm – de baixo para cima, suplementado de estudos quantitativos para ter uma linha de base para medir progresso. Mas o conceito do CAI envolve também um enfoque de cima para baixo: o poder público, a administração municipal, os legisladores traduzindo as “vozes” dos idosos em ações e políticas a nível local – sempre preconizando o protagonismo dos idosos, envolvendo-os e empoderando-os, conforme o slogan ”nada para nós, sem nós”.

Estamos, no Brasil, chegando ao final do chamado “bônus demográfico” – quando um país tem um número decrescente de crianças e jovens para cuidar e educar e ainda “não envelheceu”. Infelizmente o estamos vivendo no contexto de monumental crise econômica. Mas há ainda tempo para ações emergenciais de modo a nos beneficiarmos deste seu finalzinho, se atuarmos agora, já. E, por outro lado, lançarmos bases sólidas para usufruirmos do que chamamos do “dividendo da longevidade”, ou seja, os ganhos possíveis desencadeados pela revolução da longevidade. Indivíduos saudáveis, com mais conhecimentos, bem treinados, estimulados por mudanças em suas rotinas de trabalho e usufruindo de um meio ambiente físico e social “amigável àquele que envelhece” são agentes do desenvolvimento sócio-econômico e não fardos como alguns, erradamente, insistem em considerar.

Compartilhe!