Por Ana Carolina Rosalino Garcia, advogada
Democracia sem mulheres é impossível, e, de acordo com o National Democratic Institut, apenas 20% dos parlamentares de todo o mundo são mulheres. Chantal Mouffe, renomada cientista política belga, pós-marxista, em seu livro The Return of the Political, vai dizer que “Pluralismo se encontra no núcleo central da democracia moderna: se nós queremos uma democracia moderna, nós devemos aumentar o pluralismo e dar espaço para uma multiplicidade de formas de associações e comunidades”[1].
Carl Schmitt, em The Concept of the Political defende o homem como um ser político: “Se um povo não possui mais energia ou vontade para se manter na esfera da política, esta não desaparecerá do mundo. Só um povo fraco desaparecerá”.[2]
Kelsen deixa claro o quanto a democracia deve ter por objetivo proteger as minorias com direitos e liberdades fundamentais:
O domínio da maioria, característico da democracia, distingue-se de qualquer outro tipo de domínio não só porque, segundo a sua essência mais íntima, pressupõe por definição uma oposição – a minoria – mas também porque reconhece politicamente tal oposição e a protege com os direitos e liberdades fundamentais[3].
O caminho para as mulheres na esfera do político nunca foi fácil. Passados dois anos da Revolução Francesa, devido ao fato de a declaração dos direitos do homem e dos cidadãos nada ter mencionado acerca das mulheres, em 1791, Olympe de Gouges escreve a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, encaminha à rainha Maria Antonieta, defendendo que as mulheres formem uma Assembleia Constituinte Nacional. No artigo 6°, expõe que a lei deve ser a vontade da expressão geral, e todos os cidadãos e cidadãs devem concorrer pessoalmente ou por seus representantes para a sua formação. No artigo 10°, diz que as mulheres devem ter o direito de subir à tribuna[4].
Seus pleitos não foram acolhidos e, em 03 de novembro de 1793, Olympe de Gouges foi guilhotinada a mando de Maximilian de Robespierre, líder dos jacobinos, 18 dias após Maria Antonieta.
Antes de ser executada, Olympe repetiu uma frase que já tinha divulgado em panfleto: “Se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, ela deve ter igualmente o direito de subir à tribuna”[5].
Em 1893, a Nova Zelândia foi o primeiro país do mundo a garantir o sufrágio feminino, graças ao movimento de Katherine Wilson Sheppard, organizando petições e reuniões públicas, cartas à imprensa e desenvolvendo contato com políticos. No mesmo ano reuniu quase trinta e duas mil assinaturas de mulheres junto com suas parceiras sufragistas. O Ato Eleitoral de 1893 foi aprovado por ambas as casas do Parlamento e tornou-se lei em 19 de setembro[6].
Na França revolucionária, até 1965 uma mulher casada não podia trabalhar sem o consentimento do marido. Estudo do Banco Mundial, de 2019, apontou que apenas ¾ dos direitos concedidos aos homens igualmente pertencem às mulheres. Análise realizada em 187 economias mostrou que, em apenas 6, há direitos iguais entre homens e mulheres (França, Bélgica, Dinamarca, Letônia, Luxemburgo, Suécia)[7].
No Brasil, a Constituição monárquica de 1824, embora não vedasse expressamente o direito de voto das mulheres, no capítulo das eleições, artigos 90 a 97 não apresentava menção aos votos femininos[8]. Na constituinte de 1890, a recusa ao direito do voto da mulher era sexista aos homens, o espaço público da política e às mulheres, o espaço privado do lar. Para o deputado cearense José Bevilacqua, o voto feminino representaria um rebaixamento do alto nível de delicadeza moral daquelas cuja missão consistia em moldar o caráter dos cidadãos, por meio da educação dos filhos e do aperfeiçoamento moral dos maridos[9].
Nísia Floresta foi a primeira escritora brasileira a se dedicar ao estudo de gênero no Brasil. Em seu livro “Direito das mulheres e injustiça dos homens”, de 1832 vai expor:
Que direito, pois, têm eles de nos desprezar e pretender uma superioridade sobre nós, por um exercício que eles partilham igualmente conosco? Todos sabem, nem se pode negar, que os homens olham com desprezo para o emprego de criar filhos e que é isto, às suas vistas, uma função baixa e desprezível(…)[10].
Artigo de Josefina Alvares de Azevedo, que realizou campanha por voto feminino, em artigo publicado no jornal A Família, em 30 de novembro de 1889 argumentava:
Nossas aptidões não podem ser delimitadas pelos preconceitos de sexo, principalmente nos casos com que tenhamos de afirmar a nossa soberania pelo direito de voto. O direito de votar não pode, não deve, não é justo que tenha outra restrição além da emancipação intelectual[11].
O artigo 70 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, asseverava que eram eleitores os maiores de 21 anos que se alistassem na forma da lei, impedindo mendigos, analfabetos, religiosos e as pessoas sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade individual – local onde a mulher se enquadrava na sociedade.
A primeira mulher a ingressar na Ordem dos Advogados do Brasil, Myrthes de Campos e a professora Leolinda Daltro, fundadora do Partido Republicano Feminino, em 1910, bem que tentaram obter o direito a voto, mas ambas tiveram seus pedidos negados, inobstante seus pedidos fossem amparados nos artigos 69,70 e 72 da Constituição de 1891 e no Código eleitoral vigente à época, desde 1904.
No dia 25 de outubro de 1927, pela Lei Estadual n. 660, no Rio Grande do Norte, as mulheres tiveram reconhecido o direito de votarem e serem votadas, graças ao ativismo da bióloga paulista Bertha Lutz que tivera contato com o deputado federal pelo Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, que viria a ser governador do mesmo estado em 1928. A primeira eleitora a se alistar foi a professora Celina Guimarães Viana.
Para consolidar a conquista, foi criado em agosto de 1928 a Associação de Eleitoras Norte-Riograndenses, filiada à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, fundada e coordenada nacionalmente por Bertha Lutz.
No mesmo ano de 1928, Bertha Lutz visita Rio Grande do Norte e promove a candidatura de Luzia Alzira Soriano à prefeitura de Lajes. Alzira ganha a eleição e se torna a primeira mulher eleita na América do Sul, com 60% de votos válidos[12].
Informação contida no livro Ideologia e Feminismo de Branca Moreira Alves aponta que em 1906, na Comarca de Minas Novas, em Minas Gerais, três mulheres já haviam exercido o direito a voto e se alistado: Alzira Vieira Ferreira Netto, mais tarde formada em Medicina, Cândida Maria dos Santos, professora em escola pública, e Clotildes Francisca de Oliveira[13].
Sob o governo provisório de Getúlio Vargas, em 1932, permitido o voto feminino. O Decreto n. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 instituiu o código eleitoral, e no seu artigo 2° definia eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, em seu artigo 109, fixou que o alistamento e o voto eram obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerciam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar ou seja, para as demais, não era obrigatório.
Apenas a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, em seu artigo 133, vai afiançar que o alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei.
Em 2022, completa 90 anos o voto feminino, em um momento de abalo democrático, com fortes ataques às instituições de direito, polarização, populismo, fake news e violência crescente contra a mulher.
O Brasil registra um caso de feminicídio a cada 6 horas e meia[14] e muitos casos são subnotificados por causa da pandemia COVID-19 que não acabou e não se sabe quando acabará.
Depois de muitas lutas as mulheres conquistaram o direito ao voto, mas a participação da mulher na política ainda é irrisória e se há poucas mulheres no parlamento, poucos direitos são reconhecidos. O próprio ministro Barroso já afirmou que se homem engravidasse, aborto teria sido resolvido há tempos.
Certo é que a conquista do voto feminino no Brasil não só representou a emancipação política das mulheres. A lei 9100, de 29 de setembro de 1995, determinou, no parágrafo 4° do artigo 11°, que, vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidos por mulheres, no que pertine as eleições municipais.
A primeira presidente do Brasil sofreu impeachment. Em 05 de julho de 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, afirmou que “não deve haver dúvida razoável de que a ex-presidente Dilma Rousseff não foi afastada por crimes de responsabilidade, nem por corrupção, mas, sim, foi afastada por perda de sustentação política”[15].
O ministro Barroso seguiu o raciocínio completando que “afastá-la por corrupção depois do que veio, do que se se seguiu, seria uma ironia da história”.
Segundo Agência Brasil, o eleitorado feminino representa 52,5%, mas na Câmara, das 513 cadeiras, apenas 77 são ocupadas por mulheres. No Senado, apenas 12 mulheres foram eleitas para as 81 vagas, o que equivale a uma participação feminina de 14%[16].
Veja a incongruência: o maior eleitorado é o menos representado nas casas legislativas. Segundo PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), de 2019, a população brasileira é composta de 48,2% homens e 51,8% mulheres.
Há alguns projetos de leis que buscam o aumento da participação feminina, tais como o de n. 763/2021, que prevê o mínimo de 30% das cadeiras destinadas a mulheres na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. A proposta também prevê que, quando da renovação de dois terços do Senado Federal, as vagas serão divididas equitativamente entre candidaturas do sexo feminino e do sexo masculino.
Outro texto semelhante aguarda votação na Câmara dos Deputados. A proposta de emenda à Constituição (PEC 134/2015), que determina a reserva de 16% das cadeiras no Legislativo federal, estaduais e municipais para mulheres.
Em 2013, sob a batuta da presidenta Dilma Roussef, o programa Casa da Mulher Brasileira tinha como função garantir a proteção e o acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica, tendo em vista agregar uma série de serviços especializados para atendimento da mulher em situação de violência, tais como delegacia, juizado, promotoria e abrigamento de curta duração.
Já em 2019, a pastora evangélica e advogada Damares Alves, ministra no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou que seria impossível manter o programa, mesmo com investimento federal em torno de R$ 70 milhões. O projeto teve verba reduzida para R$ 13,6 milhões em 2020.
Estudo realizado pela consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, a pedido da Comissão de Direitos Humanos e Minorias mostrou que apenas R$ 5,6 milhões de um total de R$ 126,4 milhões previstos na Lei Orçamentária de 2020 foram efetivamente gastos com as políticas públicas para mulheres, em plena pandemia COVID-19[17].
Jacinta Andern, primeira-ministra da Nova Zelândia que se tornou exemplo no combate à pandemia de covid-19, possui o gabinete mais diverso na história do país. De 20 membros, 8 são mulheres, 5 são Māori, 3 são Pasifika e 3 são LGBTQ+.
Ângela Merkel, ex-primeira-ministra da Alemanha, em 2015 acolheu cerca de 1 milhão de refugiados, a maioria de países em guerra, como a Síria. Em 2014 a Alemanha tornou-se a principal destinação de refugiados de conflitos na Asia, África e Oriente médio.
Stacey Abrams, ex-líder das minorias no Estado da Geórgia, Estados Unidos, lançou em 2013 o The New Georgia Project, que auxilia os georgianos de baixa renda a se inscreverem em projetos de saúde. Graças a sua atuação, Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos, venceu no estado.
A ativista política indiana Bilkis Dadi, de 83 anos foi reconhecida pela Time Magazine, em 2020 como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, por se tornar a voz das pessoas marginalizadas na Índia, tornando-se símbolo de resistência no país onde mulheres e minorias são silenciadas pelo regime populista de Narenda Modi.
Graças a Monica Lennon e Nicola Sturgeon, membros do parlamento escocês, a Escócia se tornou o primeiro país do mundo a fornecer gratuitamente e de forma universal, produtos menstruais.
Sanna Marin, primeira-ministra da Finlândia, desde que assumiu o poder tenta mudar o Trans Act, lei opressiva que exige que indivíduos trans passem por exames de saúde mental e esterilização se quiserem reconhecimento legal de gênero. O governo finlandês já vem recebendo série de críticas por parte de grupos de direitos humanos da Europa, que mencionam violação da Convenção Europeia de Direitos Humanos e em 2021, deputados encaminharam uma iniciativa dos cidadãos ao Parlamento, após debate e recepção de 50 mil assinaturas para mudança na legislação.
Nemonte Nequino, líder da nação Waorani, do Equador, resistiu ao plano do governo de permitir a perfuração da Amazônia por empresas petrolíferas.
No Brasil, sob o governo de Dilma Rousseff, aprovada lei do feminicídio, n.13104/2015, prevendo como qualificadora do crime de homicídio.
Note, portanto, que não basta a mulher ter direito ao voto no Brasil. Ela também deve ser representada no parlamento para que políticas públicas sejam efetivadas.