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Raphael Di Cunto

São Paulo – À espera da eleição presidencial, a pauta prioritária do Congresso para os próximos quatro anos terá forte influência do PT. Confirmadas as projeções de políticos e analistas, o partido sairá da eleição como a maior bancada da Câmara dos Deputados e deve dificultar a aprovação de reformas estruturantes em caso de vitória de um presidente de oposição.

“Os candidatos que mais prometem mudança são quem menos têm base para fazê-la”, afirma o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Queiroz. Já Dilma, que começaria um novo governo com apoio de cerca de 306 deputados e maioria no Senado, não tem pauta muito ambiciosa do ponto de vista de mudanças estruturais, diz.

“Aécio e Marina iniciariam com uma base muito pequena e a oposição do PT. Teriam muito mais dificuldade para aprovar suas agendas”, pontua. O prognóstico do Diap é que o PT eleja entre 70 e 95 deputados – tem 88 atualmente. O PMDB, hoje com 72 deputados, elegeria de 48 a 73. O PSDB, de Aécio, ficaria entre 36 e 56 representantes na Câmara, e o PSB, de Marina, com algo em torno de 23 a 34 deputados.

O número de partidos na Casa saltaria de 22 para 28, o que exigiria mais esforço do Executivo na negociação de projetos. Situação semelhante ocorreria no Senado, onde o número de siglas com representante também tende a aumentar e o PMDB continuará com a maior bancada, seguido por PT e PSDB.
O peso do PT, e de outros partidos de esquerda com quem costuma estar alinhado, pode atrapalhar os planos de Aécio e Marina de executar reformas mais complexas, como emendas constitucionais, que exigem o apoio de três quintos do Legislativo – 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores. Ainda mais se a ex-senadora levar a sério a promessa de governar sem distribuir espaços no governo.

O sociólogo Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise, entretanto, põe sob dúvida se o PT manterá a oposição intransigente que o marcou nos primeiros anos. “Quando o PT fazia aquela oposição muito aguerrida, o partido era menor. Cresceu muito nesses anos e não sabemos como vai reagir ao deixar o poder”, diz. “A tendência é que, quanto +or a bancada, menos coesa ela seja.”

Para Cristiano Noronha, chefe do departamento de análise política da consultoria Arko Advice, o tamanho da reforma tributária dependerá de quem vencer. “Se a Marina ou o Aécio ganharem, é provável que tenhamos reforma tributária um pouco mais agressiva. No caso da Dilma ser reeleita, devemos ter uma nova tentativa de negociar a unificação/alíquotas de ICMS, que já está em discussão no Senado Federal, mas não andou por falta de entendimento”, diz.

Segundo Noronha, é incomum que o governante reeleito promova grandes reformas que envolvam alterações na Constituição Federal. “A Dilma preferiu fazer mudanças infraconstitucionais e regulatórias, como a reforma dos portos e do setor elétrico. Já governos de oposição costumam propor reformas maiores logo no primeiro ano, para aproveitar o capital político – e é o que já sinalizam o Aécio e a Marina”, afirma.

Foi o que ocorreu, por exemplo, com a reforma da Previdência Social aprovada em 2003, primeiro ano do governo Lula (PT). O fim ou mudanças no fator previdenciário não estão descartados agora, avaliam os analistas, mas é mais provável que partam de um governo de oposição do que de um do PT – que já teve a oportunidade de discutir o tema ao longo de 12 anos e não o fez.

A depender da eleição presidencial, que, indicam as pesquisas, não deve se resolver já no domingo, a pauta do Congresso deverá centrar, além das reformas tributárias e política, em temas de grande impacto econômico, como a fórmula de valorização do salário mínimo a partir de 2016, o novo Código da Mineração, mudanças na Lei de Licitações e a destinação de 10% da receita corrente da União para saúde.

“A agenda da próxima legislatura vai depender muito da eleição do presidente. Embora os Poderes sejam independentes, há uma influência extraordinária do Palácio do Planalto nas decisões do Legislativo”, afirma o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Antônio Imbassahy (BA), ex-prefeito de Salvador por oito anos. “Claro que o Congresso tomará algumas iniciativas, mas é difícil alguma reforma maior andar sem a vontade do governante”, pondera.

Embora a maioria dos projetos esteja em discussão há anos no Legislativo, o conteúdo das propostas terá forte interferência do presidente eleito, avaliam políticos e analistas ouvidos pelo Valor. O andamento de cada tema também dependerá da disposição do Executivo de incentivar a tramitação das matérias ou resistência a certos projetos.

O Código da Mineração é um dos exemplos mais claros. Enquanto o governo Dilma Rousseff (PT) briga com as mineradoras em pontos como quem tem a preferência para explorar as jazidas, o que travou a votação nesta legislatura, Aécio Neves (PSDB) tem relação de mais proximidade com as empresas do setor por ter governado Minas Gerais – maior Estado minerador do país. Já Marina Silva (PSB) será pressionada por entidades que a apoiam, e que são contrárias ao atual projeto, a alterar profundamente o texto para diminuir o impacto ambiental da exploração de minérios.

Antônio Queiroz, do Diap, diz que devem ganhar força as discussões sobre reformas trabalhistas, em especial a regulamentação da terceirização, porque o empresários já não têm mais o que esperar do governo em termos de incentivos e renúncias fiscais. “O setor empresarial não fez ofensiva muito dura nesses anos porque tinha uma série de desonerações em curso e um conflito poderia derrubar esses benefícios. Mas, agora que já não há espaço para ampliar isso, vão partir p/discurso de que a mão de obra no Brasil é muito cara e, em um cenário/crise, pressionar para regulamentar a terceirização”, afirma.

A bancada ruralista também já listou suas prioridades para a próxima legislatura, com a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, que transfere para o Congresso a decisão sobre a demarcação de terras indígenas, motivo de diversos conflitos nos últimos anos. “Temos que concluir esse assunto. Isso já se arrasta há muito tempo e não dá segurança para os produtores do país”, diz o deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

Os ruralistas, que nesta legislatura obtiveram isenção tributária para produtos da cesta básica, pretendem ainda pressionar por duas pautas: a redução do tempo de registro de medicamentos veterinários e agrotóxicos no país e a desoneração de insumos e máquinas para produção agropecuária. A bancada é uma das mais ativas do Congresso e conta sempre com mais de uma centena de parlamentares – atualmente são 158 deputados e senadores.

Já um projeto que deve andar independentemente da vontade do presidente da República é a PEC do Orçamento impositivo, que obriga o governo a executar as emendas parlamentares individuais. A proposta tramita há 14 anos e foi uma das promessas do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), em sua campanha para o ocupar o cargo.

O governo Dilma conseguiu travar a votação ao atrelar a PEC ao aumento de gastos para saúde em valor inferior ao defendido pelo movimento Saúde+10, mas, se os parlamentares não chegarem a uma conclusão até o fim do ano, este é um problema que vai cair no colo do próximo governante.

Publicado no Valor Econômico em 02/10/14

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