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Editorial do Valor Econômico

A presidente Dilma Rousseff reforçou seu favoritismo na corrida presidencial, aumentando, com 40% das preferências, sua vantagem para 13 pontos percentuais diante de sua principal rival, Marina Silva, candidata pelo PSB, segundo a pesquisa mais recente do Datafolha. O esboço de reação do candidato do PSDB, Aécio Neves, não teve continuidade relevante. A oscilação das pesquisas em uma eleição surpreendente levou as expectativas a seu ponto inicial, a de que a presidente Dilma possa ser reeleita já no 1º turno.

Mas dificilmente a presidente liquidará a fatura eleitoral no próximo domingo. Com uma popularidade muito maior e uma avaliação de governo bem superior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve de passar em 2006 pelo segundo escrutínio. A suposição de que basta um saco de maldades bem embalado na propaganda eleitoral para que os candidatos de oposição se dissolvam nas urnas é superficial e serve, possivelmente, para aplacar o alto grau de ansiedade e insegurança que rondam os quarteirões governistas. O histórico das pesquisas feitas no mesmo período em anos eleitorais, a uma semana do pleito, mostra que em nenhuma delas a soma dos candidatos da oposição ultrapassou a do governo, (“Folha de S. Paulo, 28 de setembro). Dilma agora tem 40%, ante 45% das intenções de votos de Marina e Aécio.

Com cinco vezes menos tempo de televisão do que a presidente, sem palanques estaduais relevantes, com um partido que nunca foi seu e recebendo críticas dos dois principais candidatos, Marina Silva não poderia deixar de cair nas pesquisas. O staff de Marina parece ter percebido há algum tempo que sua enorme desvantagem inicial aconselhava uma campanha de resistência, à espera de um segundo turno – uma nova eleição, com meios mais equilibrados diante da rival. O objetivo pode ser alcançado.

É inegável que Marina perdeu votos potenciais na campanha, parte pela inevitável posição defensiva de um candidato com pouco mais de dois minutos de propaganda gratuita, parte por suas fragilidades intrínsecas. Mudou algumas vezes de posição, ora fruto de hesitações, ora da composição de interesses heterogêneos, ora pela falta de afinação da candidata com o seu entorno, típica de uma empreitada de improvisos a que a morte de Eduardo Campos lhe conferiu.

Bastou uma mudança por pressão dos evangélicos sobre direitos dos homossexuais para arruinar os efeitos positivos de uma longa e razoavelmente detalhada plataforma de princípios, acompanhada de possíveis ações de governo. Ela deu chance a que um rótulo eleitoral lhe fosse atribuído com alguma eficácia: o da inconstância política. Sob fogo cruzado, a pecha contribuiu para afastar indecisos ou trânfugas do PT. Enquanto que a campanha de Aécio a igualava a uma “petista” de coração, a de Dilma batia na agenda “tucana” de Marina e procurava mostrar suas contradições, reais ou falsas.

Um rótulo só “cola” se tiver rastros de veracidade. Para obter apoio fora do círculo dos convertidos, Marina tentou aparar demais arestas, a ponto de passar a ideia de que nunca foi contra alimentos transgênicos ou de que suas divergências com os ruralistas foram menores e estão no passado. Além disso, a campanha petista explorou, às vezes de forma desonesta, pontos sensíveis, como o fim dos programas sociais e a importância do pré-sal, para não falar da independência do BC. Imaginar que uma ambientalista teceria loas ao uso de combustíveis fósseis é pouco crível, assim como é má fé indicar que deixaria de lado o pré-sal. A posição histórica da candidata é a defesa, correta, da redução do peso dos combustíveis fósseis na matriz de energia. O resultado é que Marina teve de ficar a campanha inteira se explicando sobre o que não disse, ou disse mal, o que é péssimo para uma candidatura propositiva.

Outras carências reais se revelaram capazes de arrancar pontos nas pesquisas. Há um risco de desarranjo político se Marina for eleita. O partido pelo qual concorre é pequeno e os quadros genuínos para um eventual governo são escassos. Ela teria de arrumar uma base de apoio no Congresso e “emprestar” pessoas para governar de outras correntes políticas, o que, pela tradição, parece mais um delírio do que um sonho. O medo ao desconhecido surgiu quanto mais sua campanha avançou.

Se passar pelo calvário do primeiro turno, a eleição muda de feição, assim como o poder de atração sobre as forças políticas alijadas da disputa. A disputa não está perto do fim.

Publicado no Valor Econômico em 30/09/14

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