Carlos Alberto DiFranco, jornalista
No seu primeiro pronunciamento desde a prisão de dirigentes de empreiteiras no escândalo da Petrobrás, a presidente Dilma Rousseff exaltou o mérito do governo de estar investigando a corrupção “pela primeira vez na História do Brasil”. Fantástico!
Em primeiro lugar, amigo leitor, o governo não está apurando nada. Ao contrário. Está sendo investigado. O juiz federal Sérgio Moro não é um contínuo do Palácio do Planalto. É representante de outro Poder da República. A Polícia Federal (PF), independente e eficiente, não é um departamento subordinado aos interesses, caprichos e ordens da doutora Dilma Rousseff. O pronunciamento da presidente da República só pode ter duas explicações: cinismo ou preocupante desligamento da realidade.
A Operação Lava Jato vai compondo um quadro de corrupção que arranhou gravemente a história, a saúde financeira, a marca e o futuro de um ícone do Brasil: a Petrobrás. A atual presidente da República não é uma espectadora passiva da tragédia. O escândalo permeou os mandatos de Lula e estourou com força no atual governo. Dilma foi ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás no governo Lula. A presidente da República, conhecida por seu perfil centralizador e autoritário, não pode fazer de conta de que está em outro planeta. Ela está, queira ou não, no olho do furacão.
Dois recentes editoriais do jornal O Estado de S. Paulo, Lula e Dilma sempre souberam e Crime de responsabilidade, mostram com total clareza o que parcela significativa da sociedade já intuía: Lula e Dilma são responsáveis pelo descalabro da Petrobrás. “Diante das surpreendentes proporções do esquema de corrupção armado dentro da maior estatal brasileira com o objetivo de carrear recursos para o PT e seus aliados, não surpreende que os dois presidentes da República no poder durante o período em que toda essa lambança foi praticada soubessem perfeitamente o que estava ocorrendo. Em 2010 – Lula presidente e Dilma chefe da Casa Civil -, o Palácio do Planalto, por meio de veto aos dispositivos da lei orçamentária que bloqueavam os recursos, liberou mais de R$ 13 bilhões para o pagamento de quatro contratos de obras da Petrobrás, incluídos R$ 6,1 bilhões para a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O TCU havia chegado à conclusão de que esses recursos estavam superfaturados, mas Lula e Dilma entenderam que era preferível tocar as obras. Só essa decisão comprova a responsabilidade desses políticos por um escândalo que deixa o Caso Collor no chinelo”, sublinhou um dos editoriais.
Mas o cinismo ou desligamento da realidade é uma doença que vai contagiando todos os integrantes do governo e seus aliados. Graça Foster mostrava surpresa e indignação com as denúncias de corrupção na empresa sob sua responsabilidade. Nada sabia, nada tinha visto. Agora, premida pela força dos fatos, reconheceu, por exemplo, que sabia “há meses” por empresa holandesa de pagamento de propina na estatal. Além disso, jogou a bomba da corrupção no colo de José Sérgio Gabrielli, seu antecessor e protegido do ex-presidente Lula. O Conselho de Administração da Petrobrás decidiu encaminhar ao Ministério Público Federal pedido de abertura de inquérito de ação civil pública contra 15 pessoas envolvidas na aquisição da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, em 2006. Entre elas está o ex-presidente da estatal.
O que era “invenção da imprensa” no discurso do governo e dos petistas acaba de ser reconhecido como fato. E o jogo ainda está no começo.
Mas o que mais surpreende é a decisão “saneadora” de Graça Foster: criar uma Diretoria de Governança para o “cumprimento de leis e regulamentos internos e externos”. É como se a Petrobrás, nos dois mandatos de Lula e no governo Dilma, não tivesse mecanismos de autocontrole. É brincadeira! A nova estrutura, uma nítida jogada de marketing, é quase um insulto.
Chegou a hora da verdade para governantes e políticos. A sociedade está cansada da empulhação. Os culpados pela esbórnia com dinheiro público, independentemente da posição que ocupem na cadeia corruptora, devem ser exemplarmente punidos. E isso não significa, nem de longe, ruptura do processo democrático, golpismo ou incitamento à radicalização.
Dilma Rousseff foi reeleita legitimamente presidente da República. Pregar um golpe, explícita ou implicitamente, é tudo menos comportamento democrático. Isso não significa, por óbvio, admitir barreiras protetoras absurdas ou chancelas de impunidade. Todos, incluída a atual presidente, podem e devem ser responsabilizados por seus atos.
A imprensa tem função relevante no momento que vivemos. Um condenado do mensalão referiu-se à imprensa que desencadeia a pressão popular contra homens públicos aéticos e governantes corruptos comparando-a, com cinismo, à “ditadura militar”. Tais declarações, características de políticos apanhados com a boca na botija, não devem preocupar. Afinal, todos, independentemente do seu colorido ideológico, procuram um bode expiatório para justificar seus crimes, deslizes e malfeitos. A culpa é da imprensa! O grito é uma manifestação de desprezo à verdade.
Os meios de comunicação social existem para incomodar. Um jornalismo cor-de-rosa é socialmente irrelevante. A imprensa, sem precipitação e injustos prejulgamentos, tem o dever de desempenhar importante papel na recuperação da ética na vida pública. Nosso compromisso não é com celebridades, mas com a verdade, com a informação bem apurada, com os leitores. E nada mais.
O Brasil está passando por profunda mudança cultural. Transparência nos negócios públicos, ética e competência são as principais demandas da sociedade. E a imprensa está sintonizada com essas aspirações.
Publicado em O Estado de São Paulo em 23.11.14