Por: Márcio Luiz Silva
Advogado especialista em processo civil e membro do Ibrade
Não se tratam da mesma coisa a democracia interna partidária e o papel dos Partidos na Democracia. Mas, é possível examinar o primeiro conceito sem perscrutar o segundo? Entendo que não! Inegável a importância dos Partidos Políticos na concreção do conceito abstrato identificado como Estado Democrático de Direito.
No entanto, como toda resultante da criação humana, o processo histórico vai se incumbindo de questionar, aperfeiçoando, o sistema de representação política e coexistência social.
Inúmeras são as propostas, dos mais variados matizes, propugnando o fim ou mitigação dos Partidos Políticos, dada a alegada falta de representatividade e oligarquização a que estariam irremediavelmente fadados. Inegável que se trata de modelo submetido a questionamento severo. A perplexidade diante do aparente desengano generalizado quanto à capacidade dos Partidos Políticos em canalizar os anseios do povo reside, ao se encarar a realidade da Democracia, na dificuldade em se propor modelo que o supere.
Não é nova a preocupação, tampouco o diagnóstico quanto à disfunção do sistema, notadamente no distanciamento entre eleitores e eleitos, e consequentemente o déficit observado entre a expectativa e resultados mediados pelos Partidos.
Seria possível conceber solução à crise de identidade cidadão-Partido a partir de autocrítica da classe política e agremiações destacado de profunda reforma do sistema político como um todo?
Voltamos à constatação de que nos deparamos com, por um lado, contexto histórico consolidado na formação e fortalecimento de oligarquias travestidas de partidos ou partidos tomados de assalto por oligarquias; de outro, contexto político inexorável: as leis são feitas pelos próprios atores beneficiários desse sistema .
Mais: o divórcio entre eleitores e a classe política provoca o surgimento de alternativas de expressão para o seu descontentamento fora do sistema de representação partido-parlamentar , no entanto, as cominações e eventuais sanções institucionais apenas se dão através dos atores da política tradicional, que são os legitimados ativos para ingressar com ações judiciais ou políticas.
Em tal contexto, como estimular a participação militante – destinatário último de prática de democracia interna – em Partidos Políticos?
Por paradoxal que pareça, talvez seja chegado o momento de cogitarmos candidaturas avulsas, suportada por grupos de interesse que não partidários, visando ampliar as opções e a concorrência na busca do convencimento dos eleitores.
Concorrentemente com limites razoáveis de gastos, acesso adequado aos meios de comunicação, vinculação a programas previamente divulgados e debatidos, prestação de contas periódica do mandato, limitação de mandatos proporcionais e fim da reeleição majoritária, candidaturas que preencham requisitos que excluam a filiação a Partido têm o potencial de aperfeiçoar o funcionamento das próprias agremiações, que para serem atraentes teriam de oferecer não só suporte e tradição, mas condições de efetiva participação de novos líderes e oxigenação de seus quadros, sob o risco de optarem tais lideranças pela forma avulsa ou corporativa.
Não se ignora que o atual sistema comporta número excessivo de agremiações, o que também desestimula militância de oposição interna, uma vez que múltiplas as possibilidades de filiação e subjetivos os critérios de respaldo ou censura aos trânsfugas. Já foi consignado com maestria que “não encontra fim este drama que ferozmente se desenrola entre o incansável idealismo dos mais jovens e a incurável sede de poder dos mais velhos. Sempre novas ondas a rugir no mesmo ponto de rebentação. É esta a marca mais profunda e mais característica da história dos partidos políticos.”
Mecanismo estranho ao corpo partidário pode ser válvula de escape às dificuldades de remota superação circunstancial motivada por lideranças consolidadas pouco afeitas ao debate e, ao mesmo tempo, elemento objetivo que reforce a necessidade de adoção de mecanismos internos de oposição consequente.
Feitas essas considerações, não há como ignorar que em nosso estágio de amadurecimento institucional é o Partido Político “instrumento indispensável à realização do ideal democrático, no papel de ente intermediário entre o povo e o Estado.” E para que essa mediação não seja tal que torne demasiado distante e estranho ao corpo social que deveria representar, faz-se necessário respeitar condições e requisitos de funcionamento.
A noção de democracia interna partidária tem um sentido contramajoritário por excelência. Visa prevenir que instâncias consolidadas asfixiem a militância, como se verifica sem muito esforço em inúmeras experiências.
O partido, por intermédio de seu estatuto, pode muito, mas não pode tudo, conforme já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral em Sessão de 29/09/2016 (MS nº 0601453-16/PI, rel. Min. Luiz Fux).
Não é razoável supor modelo autônomo de democracia com recorte partidário, dissociado do que efetivamente vivenciado pela sociedade, correndo-se o risco de cogitarmos sociedades secretas formuladoras de políticas públicas voltadas a atender uma racionalidade arbitrária de interesses sectários, sem qualquer compromisso com a vontade manifestada nas urnas.
Medidas obrigatórias analisadas à luz da Constituição poderiam aperfeiçoar o funcionamento partidário sem afrontar sua autonomia. Por exemplo: i) adoção de requisitos a serem observados na realização de Convenções; ii) eleições diretas para escolha de direção com limite de mandatos; iii) renovação compulsória de candidatos, assim como observância de mínimo de vagas por gênero e outras políticas afirmativas pertinentes.
Concluindo, se fundamentais à Democracia, imperioso que os Partidos observem preceitos elementares em seu funcionamento, prevendo e cuidando o sistema normativo para que a autonomia constitucional assegurada no artigo 17, §1° da carta Magna não seja pretexto à mitigação da democracia interna.
Associadas a mecanismos externos ao funcionamento partidário, como possibilidade de determinados grupos de interesse – sempre mediante atendimento a requisitos razoáveis – terem acesso aos meios de comunicação (direito de antena) e postulação de mandatos (candidatura avulsa), tais exigências teriam o potencial de aperfeiçoar o sistema político brasileiro.