Desde 2006, por iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa, 15 de junho é marcado como Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. O objetivo é chamar atenção e prevenir novos casos desse tipo de agressão.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente, o Brasil conta com cerca de 29,9 milhões de idosos. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o País segue a tendência mundial de envelhecimento populacional e projeta que, em 2060, um em cada quatro brasileiros terá mais de 65 anos de idade. O Censo de 2010 identificou que a população de pessoas idosas é a que mais cresce a nível nacional.
Tendo em vista a proteção dessa crescente camada de brasileiros, leis e políticas governamentais, como a Política Nacional do Idoso (Lei nº 8.842/94) e o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), direcionam olhar especial à questão, mas pesquisas têm demonstrado que é preciso ampliar a rede de proteção.
“Como país membro da ONU, o Brasil possui hoje um conjunto de leis e dispositivos excelentes que se baseiam nas Convenções Internacionais e que são da maior importância para fundamentar o envelhecimento saudável. No entanto, a prática está longe da teoria, da mesma forma que a intenção está longe do gesto”, atesta o Manual de Enfrentamento da Violência contra a Pessoa Idosa lançado pelo Governo Federal em 2014.
Informações disponibilizadas pelo Disque 100, serviço nacional que recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos para os respectivos órgãos competentes, mostram que o número de denúncias relativas a algum tipo de violência contra idosos foi de 48,5 mil para cerca de 77 mil entre 2019 e 2020. É um aumento de 53%. Goiás possui duas delegacias especializadas no atendimento às vítimas com mais de 60 anos, uma em Goiânia e a outra em Anápolis. Em 2021, essas duas unidades receberam 1.049 denúncias. As divisões, vinculadas à Polícia Civil estimam que, desde o início da pandemia, os crimes contra idosos cresceram cerca de 70% em Goiás.
A OMS define a violência contra o idoso como “ato único ou repetido, ou falta de ação apropriada, ocorrendo em qualquer relacionamento onde exista uma expectativa de confiança, que cause danos ou sofrimento a uma pessoa idosa”. Já o Estatuto do Idoso descreve como qualquer ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico.
Quanto aos tipos possíveis de violência, o manual “Violência contra a pessoa idosa: Vamos falar sobre isso?”, publicado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos em 2020, classifica como: física, psicológica, sexual, institucional, patrimonial, negligência, abusos financeiros e discriminação.
“As expressões de violência contra a pessoa idosa quase sempre se manifestam de modo cumulativo e devem ser objeto de atenção. Se algumas formas, como é o caso da discriminação por idade, ocorrem em relação a todas as classes sociais, há outros tipos que afetam, sobretudo, os mais frágeis e dependentes, frequentemente combinando abusos físicos, psicológicos, econômico-financeiros e negligências”, afirma o texto.
Combate à violência
De maneira geral, para denunciar qualquer tipo de violência contra os idosos os telefones são o Disque 100 ou então o 197 (Polícia Civil). Mas Goiânia e Anápolis possuem unidades da Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso (DEAI). A agente da DEAI da Capital, Alyne Barça conta que são dois delegados, cinco agentes e três escrivães focados especificamente em atuar nestes casos.
“É um trabalho diferente porque requer sensibilidade e minúcia dos envolvidos. A maioria das pessoas que comete a violência está na esfera de confiança do idoso, é um filho, neto, cuidador… O indivíduo está ali no dia a dia da vítima e, muitas vezes, era alguém designado para cuidar dela”, relata Barça.
Segundo ela, grande parte das denúncias chega via terceiros porque o próprio idoso não consegue pedir ajuda. “Às vezes, eles nem percebem que estão sendo violentados, acham que a situação em que se encontram é normal e querem proteger quem está lhes fazendo mal”, lamenta.
Queixas chegam à DEAI de Goiânia pelos dois telefones específicos citados anteriormente e também por contatos diretos com a unidade nos números (62) 3201-1501 ou (62) 98412-9767. Até 3 de junho, a Delegacia registrou 450 ocorrências apenas em 2022. A agente conta que está na Delegacia desde a sua inauguração, em 2016, e que tem percebido o aumento na demanda com o passar dos anos, especialmente desde o início da pandemia de covid-19.
“Recebemos casos de todos os tipos de violência, principalmente de maus-tratos físicos e psicológicos, abandono e exploração financeira. Mas uma particularidade, infelizmente, é que raramente o idoso é vítima de só um crime, ele sofre uma série de violências em conjunto”, diz Alyne Barça.
Tendo em vista as particularidades do trabalho, a DEAI conta com uma psicóloga na equipe desde 2019, Shadia Youssef. Há, segundo ela, busca pelo acolhimento das vítimas para que possam se sentir seguras em relatar a verdade dos fatos.
Em concordância com a opinião da colega, a psicóloga aponta um ponto em comum nos vários atendimentos e o maior desafio do trabalho. “O que mais encontramos é que a violência é dentro da própria família e, muitas vezes, o interesse não é nem o bem-estar da vítima e sim o controle do patrimônio”, afirma Youssef. E continua: “O principal obstáculo a superar é a conscientização da comunidade em geral para criar empatia e rede de proteção. Se a pessoa desconfiar de algo, é importante fazer a denúncia. Não ter medo de buscar ajuda”.
Rede de proteção
Como o envelhecimento da população é um fato, não se trata apenas de uma questão de segurança social, mas também de abordagem no contexto das políticas públicas.
“O Estatuto do Idoso é um texto importantíssimo, mas ele é de 2003, está defasado. Precisamos de atualizações”, avalia a agente da DEAI Alyne Barça. “Contamos com muito apoio do Legislativo estadual. Ele nos ajuda a criar essa rede de proteção em volta do idoso. Na medida do que é possível, estamos caminhando juntos”, finaliza.
Na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego), há diversos projetos de lei que visam a proteção dos que têm mais de 60 anos. “Como presidente da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Alego, garanto que estamos atentos a todas as questões urgentes dos idosos para garantirmos que eles tenham, cada vez mais, qualidade de vida e segurança”, afirma o deputado Rafael Gouveia (Republicanos).
Destacam-se, por exemplo, iniciativas quanto à notificação de casos de violência contra idosos. O projeto de lei nº 3111/20, proposto por Dr. Antonio (UB), sugere a obrigatoriedade de hospitais públicos e privados comunicarem às delegacias de polícia quando receberem idosos, mulheres, crianças e adolescentes vítimas de agressão física. Já o protocolado sob o nº 6373/19, de Gustavo Sebba (PSDB), propõe a mesma obrigação aos condomínios residenciais. Enquanto o de nº 1901/19, iniciativa do ex-deputado Diego Sorgatto (UB), torna compulsório o registro da violência no prontuário de atendimentos médicos.
Visando o combate aos golpes financeiros e violência institucional, o deputado Paulo Trabalho (PL) busca criar a Campanha de Combate aos Golpes Financeiros praticados contra os idosos. A sugestão que tramita com o nº 3556/20 tem como objetivo também orientar as vítimas ao divulgar massivamente as principais artimanhas dos bandidos e como evitá-las. Com o mesmo intento, Rafael Gouveia pleiteia a obrigatoriedade de assinatura física e entrega de material explicativo simplificado na contratação de serviços de operação de crédito (nº 1493/20) para clientes com mais de 60 anos.
Já para orientar a formulação de políticas públicas de maneira a mapear indicadores capazes de auxiliar a proposição de ações positivas, a deputada Delegada Adriana Accorsi (PT) coloca como possibilidade a divulgação semestral de dados acerca de registros de violência contra idosos, crianças, negros, mulheres, indígenas, pessoas com deficiência e homoafetivas. O projeto de lei nº 3964/19 define a Secretaria da Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás como responsável pela publicidade periódica dos dados.
“É um grande desafio para a nossa sociedade, que envelhece rapidamente e, muitas vezes, sem políticas de amparo e proteção. Por isso, é fundamental que as pessoas idosas tenham atenção especial do poder público: para que o bem-estar delas seja assegurado e verificado constantemente”, comenta a parlamentar.
Accorsi reforça, ainda, a importância do esforço coletivo. “É um trabalho conjunto que deve ser feito com delegacias de polícia, Ministério Público e a própria sociedade”. E conclui: “Buscamos a conscientização da sociedade para o respeito com a pessoa idosa, que tanto contribuiu e, agora, precisa de um carinho especial de todos nós”.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Alego, deputado Rafael Gouveia, encerra: “Neste Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, precisamos criar uma consciência social e política da necessidade de garantir a proteção dos nossos idosos, principalmente em tempos de pandemia”.