O Dezembro Vermelho foi criado pela Lei Federal nº 13.504/2017, data que estabelece e marca uma grande mobilização nacional na luta contra o vírus HIV, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids, na sigla em português do Brasil; em Portugal é Sida), e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST), com o intuito de sensibilizar e conscientizar a sociedade para a existência do estigma e preconceito que prejudicam os esforços no enfrentamento dessas doenças, impedindo que o controle seja realmente efetivo.
Ao longo da década de 1980, o HIV infectou milhares de pessoas e a aids se espalhou rapidamente pelos cinco continentes, provocando uma epidemia mundial. No início, a enfermidade era considerada uma sentença de morte e foi associada a apenas alguns grupos populacionais, o que acabou por gerar ainda mais preconceito e perseguição.
Atualmente, o Brasil integra o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), criado em 1996, que une o mundo num esforço constante para combater a síndrome como problema de saúde pública, por meio de ações coordenadas. Sob sua liderança, os 193 países membros buscam respostas globais à epidemia da doença.
O mais recente relatório global da Unaids, divulgado em julho do ano passado, estima que 39,9 milhões de pessoas vivem com HIV e, em pelo menos 28 países, o número de novas infecções continuam aumentando. O documento mostra também que 1,3 milhão de novas pessoas testaram positivo para o HIV e 630 mil pessoas morreram por doenças relacionadas à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
Chegando ao fim?
Mas nem tudo é o que parece. Apesar dos números do relatório global parecerem desanimadores, este mesmo documento, em seu capítulo intitulado “O caminho que põe fim à Aids”, mostra, pela primeira vez na história, que essa pandemia pode acabar até 2030, inclusive no Brasil, e indica quais são os caminhos que precisam ser trilhados para que isso aconteça. Entretanto, acabar com o problema exige uma liderança corajosa para que todos os países possam avançar juntos e com sentido de urgência. Importante ressaltar que acabar com a pandemia não significa extinguir por completo a existência do HIV e da Aids.
Dentre as metas estabelecidas pela Unaids, as principais são aquelas conhecidas como ‘95-95-95’. Elas têm como objetivos que 95% das pessoas que vivem com HIV conheçam seu diagnóstico; que 95% das pessoas que sabem que vivem com HIV estejam em tratamento antirretroviral; e que 95% das pessoas em tratamento estejam com a carga viral suprimida. Estas são metas consideradas estratégicas para que os níveis de contágio não sejam mais epidêmicos e deixem de ser uma ameaça à saúde pública.
Conforme aponta dados que monitoram o avanço das conquistas em todos os países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU), ainda falta para o Brasil cumprir uma das metas, pois, até os dias de hoje, somente 82% dos infectados pelo HIV no País fazem uso de medicação antirretroviral. Com a ampliação da oferta do melhor tratamento e a incorporação de medicamentos de primeira linha para tratar os pacientes, nos últimos dez anos, o Brasil registrou queda de 25,5% na mortalidade por Aids.
De acordo com o Ministério da Saúde, 82% das pessoas em tratamento no País já atingiram o estágio de estarem indetectáveis, ou seja, estado em que a pessoa não transmite o vírus e consegue manter a qualidade de vida sem manifestar os sintomas da Aids. Essa conquista se deve ao fortalecimento das ações do Ministério da Saúde para ampliar a oferta do melhor tratamento disponível para o HIV, com a incorporação de medicamentos de primeira linha para tratar os pacientes. Apesar da redução, cerca de 30 pessoas morreram de Aids por dia no ano passado.
Em Goiás, o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, realizado por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), aponta que os casos diminuíram consideravelmente, entretanto, no grupo masculino, a incidência da doença é três vezes maior do que entre o grupo feminino, mostrando que a doença é muito mais comum entre os homens, especialmente entre aqueles que estão na faixa etária de 20 a 30 anos de idade e com o ensino médio completo.
Poder Legislativo
Relacionadas ao HIV e a Aids, passam pela análise da Assembleia Legislativa duas proposituras que merecem destaque: nº 10459/22 e nº 13640/24. A primeira é de autoria do deputado Wagner Camargo Neto (Solidariedade), que tem o intuito de alterar e acrescentar dispositivo na Lei nº 19.587, de 10 de Janeiro de 2017, estabelecendo normas gerais para a realização de concursos públicos na Administração Pública Estadual.
A alteração proposta pelo parlamentar dispõe sobre a não obrigatoriedade da exigência de exames como Papanicolau, para detecção da sífilis e HIV, ou qualquer outro que se trate de medida invasiva como requisitos ao ingresso em cargos públicos.
Em sua justificativa, o legislador ressalta que a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora (sic) do Vírus HIV da Aids, editada em 1989 pela Unaids, órgão das Nações Unidas sobre o tema, garante que todas as pessoas têm direito à continuação de sua profissão e que “nenhuma ação poderá restringir seus direitos completos à cidadania”. No âmbito federal, uma portaria interministerial publicada em 1992 impede que seja realizado o exame para ingresso na administração pública direta e indireta.
Outra importante medida, de autoria do deputado Virmondes Cruvinel (UB), institui a Política de Atenção à Saúde Reprodutiva da Mulher Soropositiva e Prevenção da Transmissão Vertical do HIV no Estado de Goiás, com o objetivo de assegurar o direito à saúde reprodutiva e prevenir a transmissão vertical do vírus. A matéria reconhece a necessidade urgente de políticas públicas que assegurem a saúde integral e a qualidade de vida das mulheres portadoras do HIV, bem como a prevenção da transmissão vertical do vírus.
Em Goiás, o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) mostram que há um número de gestantes soropositivas que precisam ser contempladas. A implementação de uma política abrangente de atenção à saúde reprodutiva da mulher soropositiva é essencial para garantir que elas recebem cuidados adequados durante a gestação, o parto e o pós-parto. Isso inclui o acesso a exames regulares, medicamentos antirretrovirais e orientação sobre práticas seguras de amamentação. Estudos demonstram que a adesão ao tratamento antirretroviral pode reduzir a transmissão vertical do HIV para menos de 2%, evidenciando a importância de políticas públicas eficazes e bem estruturadas.
Ter o HIV não é o mesmo que ter Aids
Em entrevista ao Portal da Agência de Notícias do Parlamento goiano, o médico infectologista Raimundo Nonato explicou que viver com HIV não significa viver com Aids. Quando se tem o HIV, disse, no organismo há a presença do vírus, mas ele não vive num estado inerte, somente ainda não se manifestou. Já a Aids é a fase mais tardia da infecção, condição em que o sistema de defesa já foi eliminado, liberando espaço para as doenças infecciosas, neoplásicas e outras questões relacionadas com a falta de defesa.
“O HIV é o vírus da imunodeficiência humana e, quando introduzido no organismo, procura determinadas células, dentre elas uma célula considerada muito importante para o sistema de defesa de todo o corpo que é um linfócito especial chamado T CD4+. Ao destruir esse linfócito, o vírus acaba com uma reserva considerada determinante para as defesas imunológicas e desliga as defesas imunológicas. Ele age sequestrando a principal defesa do organismo, mas não parasita somente ela, também ataca células do sistema nervoso, do intestino e de vários outros órgãos”, revelou o especialista.
Nonato ensina que o HIV, além de infectar as células do sangue, infecta também o sistema nervoso. Na maioria das vezes, causa uma encefalite, que é uma inflamação generalizada do encéfalo, especialmente no início do contágio. O vírus não fica somente no sangue, mas também dentro das células, então, mesmo quando ele não é detectado no sangue, pode estar em algum órgão em estado de latência ou dormência, e despertar em algum momento, podendo evoluir para a Aids.
Já a Aids é a síndrome da imunodeficiência adquirida, estágio final da infecção pelo HIV. Ela ocorre quando o vírus já comprometeu tanto as defesas que tornou o organismo totalmente vulnerável, abrindo espaço para que todo tipo de doença oportunista possa se manifestar. Nesse momento, todo tipo de vírus e parasitas, que normalmente não atrapalham o corpo porque o sistema imunológico está com as defesas ativas, ficam livres para se manifestar. Até casos de células neoplásicas que estavam contidas pelo sistema de defesa têm a liberdade para tal.
“A principal via de contágio do vírus é por meio das relações sexuais desprotegidas com um parceiro portador do HIV. A outra via é com o uso de agulhas contaminadas por transfusão de sangue. Também pode acontecer com o transplante de órgãos contaminados e, ainda, na gestação, quando a mãe portadora do vírus necessita de um procedimento muito especial no parto, para que não haja a transmissão para o bebê. Essas são as principais vias de contaminação”, pontuou.
O especialista advertiu que o número de infectados no Brasil também tem aumentado. “É preocupante, ainda se trata um problema de saúde pública. Já tivemos menos pessoas se contaminando e, recentemente, houve um leve aumento, indicando que as pessoas não estão levando a sério a prevenção. Isso levou as autoridades a pensarem que as pessoas estão menosprezando o vírus e deixando de fazer o tratamento adequado. Essas medidas de proteção nas relações sexuais e no trabalho dos profissionais da saúde precisam ser mantidas, até para voltar a ter efetividade nas campanhas.”
Entretanto, de acordo com o infectologista, a doença vem sendo muito bem controlada. Nos dias de hoje, é uma exceção morrer de HIV. “Morrem aqueles que demoram demais para fazer o diagnóstico, abandonam o tratamento ou param a medicação por conta própria, achando que já usam há muito tempo. Esse é um perigo porque a doença é oportunista e volta a ganhar força. Infelizmente, em alguns casos, isso pode ser fatal”, arrematou.
Fonte: ALEGO