Por André Passos Cordeiro, diretor de Relações Institucionais da Abiquim e economista.
A transição para uma economia verde apresenta ao Brasil mais uma janela de oportunidade para um salto desenvolvimentista, assim como teve na Independência, no período aberto pela crise de 1929 e no pós 2ª guerra.
No 1º período, nossa configuração político-cultural talvez estivesse demasiadamente contaminada pelo mal de D. Maria 1ª, que em 5 de janeiro de 1785, ordenou “que todas as fábricas, manufaturas, ou teares (…) sejam extintas, e abolidas em qualquer parte onde se acharem nos meus domínios do Brasil”. A justificativa era o risco de prejudicar as atividades de agricultura e mineração, pelo deslocamento de força de trabalho.
Levamos até 1930 e o pós-guerra para entender que é o contrário.
Em 1822, já em um mundo industrializado, nossa manufatura era pouco significativa e, por isso, nossa participação na produção de riqueza mundial era de apenas 0,5%. Só a partir de 1930, com aceleração nas décadas de 50 até 70, começamos a subir a montanha do crescimento econômico, até que em meados dos anos 80 do século 20 chegamos a mais de 3% do PIB mundial.
O motor dessa subida? Uma política pública significativa e continuada de industrialização. Sem ela, levamos um século ter a indústria correspondendo a 12% do PIB e crescer de 0,5% para 1% do PIB mundial.
Com ela, em cerca de 50 anos (1930-1980) passamos a contar com uma indústria responsável por 35,9% do PIB e o país triplicou sua participação no PIB mundial. Porém, a tarefa não foi pequena e ficou incompleta. Em 1930, o mundo já tinha produzido 4 revoluções tecnológicas industriais e o Brasil era um remoto observador. Até lá, praticamente nada do que elas trouxeram de novo foi feito aqui: exportávamos o mais primário, importávamos o mais elaborado produto dessas revoluções.
Há várias razões para esse descompasso e as limitações de crescimento brasileiro. Destaco uma, premissa de todas: o ingresso na era industrial é o principal motor do crescimento e não foi espontâneo em parte alguma do mundo. O Brasil demorou a aprender essa lição, e estamos há algum tempo cometendo mais erros do que acertos. Nos anos 90 uma situação de defasagem competitiva estrutural foi lida como simples falta de concorrência e o Brasil abriu seu mercado interno às importações sem fazer os ajustes necessários.
Abrimos o país, o que é correto, mas suspendemos por um longo período qualquer política industrial digna desse nome. A frase síntese desse período foi “a melhor política industrial é não ter política industrial” do ex-ministro da fazenda Pedro Malan. Dados do CSIS, centro de estudos bipartidário dos EUA, mostram que a China aplica US$ 248 bilhões anuais em políticas de estímulo a indústria; Estados Unidos, US$ 84 bilhões; Japão, US$ 26 bilhões; e Alemanha, US$ 16 bilhões. O Brasil destina US$ 6 bilhões.
A distância é muito grande, e o resultado geral dessa realidade é trágico: a indústria brasileira perdeu participação na produção manufatureira mundial, caindo quase continuamente de 2,5% em 1990 para 1,32% em 2020, e o país caiu sua participação na riqueza mundial do patamar de 3% em 1980 próximo a 2% em 2021
Nos perdemos nas eternas discussões de menos Estado e mais mercado, quando o correto é mais aliança entre os 2. É preciso retomar a política industrial e organizar uma conversa em pé de igualdade entre ela e as políticas fiscal e monetária. É preciso que ela seja uma política industrial que integre cadeias produtivas em missões direcionadas a acelerar o processo de transição da economia brasileira para o paradigma de produção atual: sustentável e circular.
O ponto de partida da transformação é a indústria química, que leva inovações a toda a cadeia produtiva, sem a qual não há competitividade qualquer que seja a tecnologia ou a forma de organizar a produção. A indústria química pode agregar imenso valor a recursos naturais como o gás do pré-sal, evitando que ele seja simplesmente queimado como combustível ou desperdiçado quando reinjetado em poços de petróleo, e assegurar, ao mesmo tempo, tecnologias que permitam o retorno do produto derivado dele ao processo produtivo depois do consumo.
Pode agregar valor, também, ao hidrogênio verde, indo além do uso como energia e produzindo amônia verde para uso como fertilizante. É a química que viabiliza o insumo para produzir plásticos para peças mais leves essenciais ao carro elétrico.
Não existe energia renovável sem química: células solares de plástico, baseadas em polímeros orgânicos condutores, estão sendo desenvolvidas com objetivo de criar painéis leves e baratos, as pás das turbinas eólicas são feitas de plásticos e aditivos químicos, fibras sintéticas são usadas para isolar os componentes eletrônicos dos geradores eólicos.
Em saúde e saneamento a segurança quanto a disponibilidade perene de produtos químicos é inafastável para avançar de forma consistente. Vimos, durante a pandemia, o quanto faz falta a produção, em território nacional, de insumos farmacêuticos essenciais. Suprimento de cloro, membranas poliméricas, PVC para tubulações sem o risco de interrupções por crises mundiais é essencial para avançar nos índices de tratamento de água e esgoto no Brasil. Tudo isso é indústria, tudo isso é química, tudo isso é estratégico.
A janela de oportunidades da transformação verde se aperta à medida que os países competidores já têm seus planos (robustos) em marcha. O Brasil tem todos os recursos para estabelecer uma política industrial sustentável, sólida, que nos livre da pobreza. A hora é agora.