A cada dois segundos, uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil. Segundo a Secretaria de Governo Federal, por volta de doze pessoas são vítimas de feminicídio (assassinato de uma mulher cometido por razões de desprezo ou menosprezo ao sexo feminino; crime de ódio) diariamente, e são contabilizados mais de meio milhão de casos de estupro por ano no país, sendo que apenas 10% chegam à justiça. São dados como esses que tornam o Brasil o quinto país no ranking mundial de violência contra a mulher.
Além de alertar sobre e combater a violência contra a mulher e o feminicídio, a campanha Agosto Lilás foi criada também para celebrar o aniversário da Lei Maria da Penha, sancionada no dia 7 de agosto de 2006. Em referência à data, a Alesp terá a fachada iluminada na cor lilás até o dia 23/8.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 35% dos homicídios de mulheres no mundo são cometidos por seus companheiros. A Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) projeta que 70% das pessoas do sexo feminino já sofreram ou sofrerão algum tipo de violência ao longo de suas vidas.
Camila, estudante de 25 anos, passou por um relacionamento abusivo no ano de 2017. Seu ex-namorado Pedro aparentava ser um príncipe encantado no início da relação, mas as violências psicológicas começaram três meses depois. A jovem relata que a primeira vez em que ele apresentou comportamento violento com ela foi porque estavam em uma festa; Pedro estava alcoolizado e desconfortável com a presença de um amigo de Camila. “Eu nem falei com o rapaz. Pedro terminou comigo durante a festa e, enquanto dirigia para levá-lo para casa, começou a berrar a plenos pulmões comigo. Eu não entendi o porquê. Foi a primeira vez que tive medo de que me batesse.”
O caso repetiu-se de maneiras diferentes. “Ele tinha ciúmes dos meus amigos e me xingava de adjetivos baixos por eu ter me relacionado com outros rapazes antes dele. Parecia que, não importava o que eu fizesse, eu estava errada.”
Mesmo tendo terminado o relacionamento, Pedro voltou a ligar para Camila três meses depois, para ofendê-la por estar feliz em outro namoro. A jovem diz ainda ter medo de que ele a persiga na rua e tente fazer algo.
O caso de Renata, estudante de 22 anos, é um pouco diferente. A jovem relatou que, desde o início, o ex-namorado escolhia suas roupas, gostos musicais, cortes de cabelo e amizades, e não a deixava conversar com outros homens. Pouco antes de completarem um ano de namoro, as agressões psicológicas começaram, com humilhações. “Ele dizia que eu devia fazer o que mandasse, pois me “bancava”. Na verdade, obrigava-me a comer onde queria e a fazer o que propusesse.”
No aniversário de um ano de namoro, iniciou-se a série de agressões físicas praticada pelo jovem. Renata não tinha dinheiro para almoçar e jantar nos lugares que ele escolhia. “Apertou meu pescoço com força, duas ou três vezes. Achei que a culpa era minha, que se eu fosse boa o suficiente, teria conseguido o dinheiro.”
Ao longo do relacionamento, ela foi traída e agredida física e verbalmente com frequência. “Nunca esqueço o dia em que fiquei com três dedos sangrando, pois enquanto andávamos no shopping ele achou que eu olhei pra um cara e apertou minha mão com tanta força que o anel rasgou meu dedo.”
Renata desenvolveu bulimia e chegou ao ponto de tentar o suicídio. A situação agravou-se quando a jovem conseguiu um emprego e começou a realizar conquistas, como pagar sua faculdade e um celular, após inúmeros que ele havia quebrado. “Ele me agarrava pelos cabelos e batia minha cabeça no vidro do carro a cada homem que curtia uma foto minha. Ele me jogava de dentro do carro, descia na rua e me chutava.”
Quando o relacionamento chegou a quatro anos, a estudante terminou-o por mensagem, já que tinha medo do que ele faria caso fosse pessoalmente. Cortou qualquer tipo de relação com o rapaz, mas ele a perseguiu durante alguns meses. Renata diz ainda ter medo de encontrá-lo novamente e de ser perseguida ou agredida.
O feminicídio no Brasil fez vítimas como Eliza Samudio, 25 anos, desaparecida em 4 de junho de 2010. Segundo a polícia, o ex-jogador do Flamengo Bruno Fernandes (33 anos) matou-a por não querer reconhecer a paternidade do filho, fruto do relacionamento extraconjugal que tiveram.
Eloá Pimentel, 15 anos, foi assassinada pelo ex-namorado Lindemberg Alves (22 anos), após ser mantida em cárcere privado durante quase cinco dias.
Marielle Franco, 38 anos, vereadora do Rio de Janeiro, foi assassinada em 15/3 deste ano. Suspeita-se de que o crime tenha sido um feminicídio, devido ao que ela representava sendo negra, mulher e lésbica.
Tatiane Spitzner, 29 anos, foi encontrada morta com sinais de estrangulamento no último 22/7, após cair do 4º andar do prédio em que morava com o marido, no Paraná. O cônjuge Luís Felipe Manvailer (32 anos) agrediu-a no mesmo dia em áreas comuns do prédio, e vizinhos não interferiram.
Relacionamentos podem ser considerados abusivos quando há abuso emocional ou econômico, agressões verbais, perseguição, abuso físico (chutar ou esmurrar objetos), ameaças, agressões ou violências sexuais. As youtubers Dora Figueiredo de Almeida, de 24 anos, e Julia Tolezano da Veiga Faria, 27 anos, explicam em seus vídeos “Relacionamento Abusivo” e “Não Tira o Batom Vermelho”, respectivamente, como identificar um relacionamento abusivo e que atitudes tomar caso esteja em um.
Lei Maria da Penha
Com o objetivo de combater e prevenir casos de violência contra a mulher, foi criada a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, sancionada dia 7 de agosto de 2006, tendo entrado em vigor em 22 de setembro de 2006.
A medida, considerada pela ONU uma das três melhores legislações do mundo no quesito, contribuiu para a diminuição de 10% dos homicídios contra mulheres dentro de suas residências, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Como denunciar
A denúncia de violência doméstica pode ser feita por meio do registro de um boletim de ocorrência em qualquer delegacia, ou pela Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Ligue 180) – serviço oferecido pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, disponível 24 horas em todo o país. A queixa pode ser anônima e é gratuita. Há também o aplicativo Clique 180, que disponibiliza informações importantes, como os parágrafos da Lei Maria da Penha.
Violência e assédio virtual, disseminação de fotos íntimas, ataques por meio de discursos de ódio e criação de perfis falsos também podem – e devem – ser denunciados.
As prefeituras oferecem centros de atendimento, que acolhem as mulheres em situação de violência, e oferecem acompanhamento psicológico, social e jurídico. Não é necessário o registro por boletim de ocorrência.
(*) Os nomes citados nos relatos das vítimas são fictícios.