O tempo é fator determinante para que o tratamento oncológico seja efetivo. Assim, tão importante quanto o diagnóstico precoce, o início imediato do tratamento é fundamental para evitar o avanço da doença. No entanto, nem sempre isso acontece. Frequentemente, o tempo decorrido até a comprovação de um câncer, e entre a comprovação e o início do tratamento, extrapolam em muito o que determina a legislação. Os motivos desta demora foram debatidos na manhã de quarta (27) na audiência pública da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do RS, que abordou a necessidade de notificação compulsória do câncer e a definição de prazo para a conclusão diagnóstica da doença.
Proposto pela deputada Liziane Bayer (PSB), o encontro contou com a participação especialistas, autoridades médicas e representantes de entidades defensoras da causa, que apontaram os gargalos na assistência que impedem o rápido combate à doença, que já é a segunda maior causa de mortalidade no Brasil, responsável por cerca de 15% dos óbitos anuais. “Queremos construir na Casa um debate permanente sobre o tema. A experiência mostra que o envolvimento com a política é necessário para fazer as coisas acontecerem e promover novos avanços, como é o caso da disponibilização de novos medicamentos pelo SUS”, apontou a parlamentar.
Aprovada no final de maio pelo Senado, a lei que estabelece a notificação compulsória do câncer pelos serviços de saúde públicos e privados de todo o País foi sancionada na última segunda-feira (25) pelo presidente Michel Temer. Os participantes da audiência acreditam que a nova legislação permitirá, a partir da construção de uma base de dados epidemiológicos, maior entendimento da dimensão da doença, oferecendo subsídios para o planejamento e para uma gestão eficiente dos recursos destinados à oncologia.
Via Crucis
Hoje, a legislação determina o prazo de 30 dias para a confirmação do diagnóstico e de 60 dias para o início do tratamento oncológico. No entanto, isso ainda está longe de ser uma realidade. O representante do gabinete da senadora Ana Amélia Lemos (PP) apresentou, durante a audiência, dados do Ministério da Saúde que mostram 57% dos pacientes esperam mais do que o prazo legal para ter acesso ao tratamento, sendo que 17% deles só começam 90 dias após o diagnóstico e 25% levam mais de três meses.
A demora foi corroborada pelo coordenador do Registro Hospitalar do Câncer da Santa Casa de Misericórdia, Rafael Vargas Alves. Ele narrou a via crucis de uma paciente oncológica de 39 anos, entre a apalpação de um nódulo no seio até cirurgia de retirada da mama. Entre a primeira consulta na Unidade Básica de Saúde, exames, volta ao consultório médico, biópsia e início do tratamento, transcorreram, segundo o médico, 233 dias. O tumor que, inicialmente media 1,5 centímetro de diâmetro, alcançou 8 centímetros, reduzindo as chances de cura. “Quando o paciente entra no hospital, tem o seu problema resolvido. Os maiores obstáculo se dão no percurso até lá”, apontou o oncologista, que defende a busca ativa de pacientes e o fortalecimento das centrais de regulação para agilizar o acesso ao tratamento.
Segundo ele, 74% do tempo de espera, entre o diagnóstico e o tratamento, se dá na etapa pré-hospitalar. São, em média, 73 dias, tempo considerado longo demais, especialmente, quando se trata de melanomas, câncer de mama, cólon, cabeça e pescoço.
Para Alves, mesmo o prazo de 30 dias para conclusão diagnóstica, definido por lei, é questionável. Na Inglaterra, por exemplo, mais de 90% dos pacientes, conforme o oncologista, tem a doença comprovada em até 14 dias. “Cada tipo de tumor tem um grau de urgência diferente. O tempo ideal, quando se trata de câncer, é sempre ontem”, frisou.
A coordenadora da Política de Saúde da Mulher da Secretaria Estadual de Saúde, Nadiane Lemos, acredita que o registro compulsório dará visibilidade ao “cenário em que as pacientes se inserem” e permitirá a identificação dos pontos de estrangulamento do sistema. “O registro compulsório nos ajudará a desenhar o fluxo, que hoje é desconhecido”, apontou.
Nadiane afirmou que a existência de uma lei que obrigue a notificação, por si só, não resolve o problema. “Não adiante ter a lei, se não tem quem fiscalize ou registre”, alertou.
Acesso
A paciente Cristiane Scomazzon falou sobre as consequências do diagnóstico e tratamento tardios. “Também sou uma estatística. O que aconteceu comigo, que perdi 100% da mama, está acontecendo neste momento com centenas de mulheres”, revelou.
A demora para começar o tratamento, segundo ela, provoca a retirada integral da mama em 70% dos casos. “Uma semana faz toda a diferença para salvar uma vida, pois, quando um tumor tem um centímetro, as chances de cura são de 99%. Por isso, é inaceitável o prazo de 30 dias para o diagnóstico”, frisou.
A embaixadora do Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (Imama), Cristiane Souza, defendeu a mobilização da sociedade para garantir o cumprimento dos prazos legais. “Muitas vezes, o tempo vai passando, e a situação permanece inalterada. Precisamos mobilizar a sociedade civil para que a demora e a dificuldade de acesso ao diagnóstico e ao tratamento não sejam considerados fatos normais”, ressaltou.
Ela citou dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), segundo os quais, 59.700 mil brasileiras serão diagnosticadas com câncer de mama em 2018 e 2019. Serão 1.148 casos por semana e 164 por dia.
Ainda conforme o INCA, o câncer já é uma epidemia e, até 2050, deverá ser a principal causa de mortes no país e no mundo.